Encerrar não é perder

A vida é um ciclo amplio que se desdobra por entropia de ciclos minores.
Tudo começa. Tudo termina. Nada se cria. Nada se destrói.
Tudo flui. 

A convergência e o colapso dos dois maiores paradigmas econômicos que governam o mundo, ou seja, o paradigma da produção\acumulo e o paradigma da distribuição\competição, que obviamente se tornaram consequentemente paradigmas e modelos políticos, sociais e psicológicos determinaram uma ideia tanto forte e penetrante quanto errada e danosa:

Esta ideia diabólica é que “TERMINAR” seja equivalente a PERDER.

Não é assim. É obvio. As coisas terminam. Naturalmente; fisiologicamente; traumaticamente. Termina a infância; a adolescência; a esperança; o trabalho; as relações; a sexualidade; o vigor do corpo; etc. Isto é necessário para abrir espaço as outras coisas que podem evoluir, quais: a maturidade; a competência; a confiança; a humildade; os arrependimentos; a intimidade; o valor de si; etc. 

O problema é que hoje se compra de olhos fechados uma outra ideia que as mídias culturais vendem, ou seja que: felicidade significa ter sucesso e ter sucesso significa ter tudo. Por isto não se tem mais disponibilidade até para encerrar algo que não existe mais, que já fez o seu tempo e que, ao invés de ser valorizado pelo seu legado e pelo fato de ter sido vivido, vem processado como algo que se perde. E por isto se rejeita, se esconde, se nega. Até além da evidencia. 

Anna Magnani, uma famosa atriz italiana dos anos 60, quando foi para receber um importante prêmio americano, afastou os maquiadores que caíram em cima dela para “embeleza-la” antes de subir no palco afirmando: “não me maquiem. Não me tirem nem uma ruga. Demorei anos para chegar a tê-las”. Ou seja: a juventude acabou, sim, mas cada momento que terminou foi um momento de vida vivido, que deixou um legado, precioso. Algo que levou ao agora. Um tijolo na construção do SER. Nega-lo, esconde-lo, continua-lo, seria como desconhecer o valor que tiveram e assim afetar e disfarçar a perfeição da realidade atual. Hoje, ao contrário, se faz de tudo para não envelhecer. Não se encerra mais nada. Nem o tempo se deixa mais passar. Mas se não se encerra o que não existe mais como se pode preparar o caminho e dar valor ao que pode existir? 

Dá para enxergar o paradoxo? Se não se encerram os ciclos, as experiências, os significados, as histórias, as realidades, etc. quando chegam ao auge dos seus caminhos ou ao fundo dos seus desgastes como eles podem ganhar (no sentido de nós dar e nós ter) valor e dignidade e deixar para nós o legado de aprendizagem e construção que inerentemente tem? Será que não dá para ver que uma coisa começa a existir plenamente com a sua função de construção do nosso ser somente no momento em que se encerra? Como podemos aprender a ganhar sadiamente se não conhecemos o gosto amargo da perda? Como podemos aprender a amar se não depois ter encerrado ilusões de histórias e pessoas perfeitas? De contas de fadas? Como podemos nós tornar adultos se não encerrando a nossa infância? 

E aqui vem o ponto. Quando passamos do ser criança ao ser adulto não estamos morrendo. 
Nem sequer perdendo o nosso lado de criança. Apenas encerramos algo de terminado para permitir que nasça algo de novo, em uma síntese perfeita onde somos plenamente mais nos, com as nossas mortes e nossos nascimentos respeitosamente abrigados e nutridos dentro de nos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mudita - O princípio da felicidade

Pilotos cegos ao governo e...protestos

Crianças Mal Educadas (como rechonece-las) e Sentimento Civico