O ciclo da dependência: Medo, Esperança e "amor" entre Pais e Filhos

TER MEDO. Algo muito comum no Brasil. Está na linguagem: “estou com (muito) medo de …”. Não é apenas uma “reação emocional cultural” a questões de segurança publica; também na minha área, a da saúde, o medo é, pelo menos, pródromo de vários transtornos bem difundidos: ansiedade, pânico, estresse, etc. 
Em compensação também faz parte da identidade cultural do brasileiro a ESPERANÇA. Também está na linguagem: “vai dar tudo certo”; “se Deus quiser”, etc. 

Mas por que? E por que essas características são tão difusas

A minha hipótese e leitura antropológica-psicológica é a seguinte: isso tem a ver com a DEPENDÊNCIA. Muitos brasileiros tem estrutura de personalidade dependente. E já explico de onde vem. 
Seguem o meu raciocino: 

Primariamente temos que entender que o casamento, aqui, é um dispositivo social antes do que algo de individual. As pessoas procuram e precisam namorar e casar-se; os homens tem as razoes deles e as mulheres as delas. As pessoas se casam muitas vezes antes mesmo de conhecer direitinho o parceiro/a; alias muitas vezes sem nem sequer poder escolher. O casamento, portanto, é algo para que dar conta a sociedade; tradicionalmente para os homens. Muitas vezes é uma questão de sobrevivência; tradicionalmente para as mulheres. 

E daí vem os filhos; e o significado dos filhos
O ponto da questão está bem aqui. 

Sendo o casamento um dispositivo social mais do que intimo, os pais, a maioria das vezes, fazem filhos para os pais, para eles mesmos, e não para os filhos. 

Ou seja, os pais não colocam no mundo outras vidas para larga-los a vida: como um arco faz com as flechas; porque acham que a vida tenha que ser vividas de outras pessoas. Mas os colocam no mundo para eles mesmos. Cada um por suas razões especificas: os homens para demostrar que não são gay, algo aqui muito estigmatizado, e para dar continuidade ao próprio nome e próprio património. As mulheres muitas vezes para dar mais significado ao casamento, muitas vezes não tão forte assim na relação com o marido enquanto não sempre baseado sobre uma livre escolha de sentimento mas procurado e apressado por pressões sociais e familiares, por carestias afectivas, por ambições de autonomia ou desvinculo do lar ou por necessidades psicológicas e/ou econômicas. Portanto "precisam" do "filho" para preencher o dia de carinho e na ideia de poder ter carinho e cuidado a dar e receber ao decorrer no tempo. E obviamente para não ter algo a menos das outras mulheres. 

Mas se os pais fazem filhos para eles mesmos e não para os filhos, ou seja se precisam dos filhos  ousara serem felizes ou para dar significado ou para aguentar as próprias vidas, qual é a consequência em termos psicológicos e evolutivos que estão determinando? 
Qual o legado fundacional sobre o qual baseará a criação e a essência dos filhos? 
Simples: 

os pais estão transmitindo aos filhos que para serem felizes ou plenos ou puder sobreviver eles precisam de algo ou de alguém além deles mesmos. 

Que a felicidade, a resolução e a sobrevivência não estão plenamente dentro ele mas fora; que não depende deles mas de algo e de alguém que não controlam. Ou seja, que eles dependem de algo ou de alguém outro, que não são eles. Assim como os pais precisam e dependem deles filhos. 

Moral da historia: quando os pais fazem filhos para eles mesmos e não para os filhos, eles estão criando seres dependentes. 

Mas como funciona, se enraíza e evolui a dependência culturalmente aceitada? 

Se eu não sou suficiente para mim, então do que está fora, daquele algo ou alguém alem de mim, podem virem coisas ruins que eu não controlo. 
Perigos dos quais não tenho como me defender. Isso vem vivenciado e se manifesta como MEDO. Algo explorado da industria da saúde e do consumo. 
Porem, de fora, podem vir também coisas boas que não dependem de mim. Daqui vem a ESPERANÇA: algo explorado da industria da fé (igrejas) e do jogo. 

Moral da historia, medo e esperança se configuram assim como duas derivações primarias da dependência: a que os pais tem dos filhos. 
Filhos que, de sua vez, assim dependentes, procurarão namoros e casamentos pelas mesmas razões emocionais e sociais, reproduzindo assim o circulo do mecanismo da dependência.
Esses paradigmas e círculos viciosos de reprodução da dependência se quebram fazendo psico-terapia; mas para fazer terapia é necessário coragem enquanto sair dos que se conhece, que de qualquer maneira gera conforto apesar dos efeitos e das consequências, dói. Mas se os pais não querem criar filhos dependentes (deles mesmos ou de substancias) e os filhos querem libertar-se do medo de existir amando e sendo amados (cujo "dedo podre" é uma grande testemunha) o caminho é a terapia ... que como todos os atos de coragem é um ato de amor, para os filhos e para si mesmos. 

(P.S. Quando os pais querem ajudar os filhos tem que fazer terapia eles mesmos ... não mandar os filhos a consultar-se ou tomar remédio; amar é coragem mas a coragem sem humildade ou responsabilidade se torna agressividade). 

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