Cair e levantar-se
Quando tinha 8 anos meu pai me deu de presente uma moto.
Lembro perfeitamente a emoção em recebe-la. Era uma Fantic Moto 50; uma moto
para fazer “Trial”, ou seja fazer percursos de trilha superando morros, pedras,
rios, etc., simplesmente usando o motor e o equilíbrio, ou seja, em via de
regra, sem nunca puder apoiar os pês no chão.
Era uma moto potente. Tanto
potente quando a minha emoção e alegria, até maiores da minha perplexidade. Já
me dava conta que meu pai estava me dando aquele presente como uma forma
implícita de projeção dele mesmo. Ele era (e ainda é, apesar da idade, da saúde
precária e da barriga), louco por motos.
Mas era este presente um implícito
mandato a ser a continuidade dele?
Significava, reconditamente, que tinha que
ser o que ele gostaria eu me tornaria? Teria que gostar do que ele gostava?
Fazer o que ele fazia? Talvez trabalhar na empresa de família? Ao lado dele?
Depois dele? Além dele? Quanto aquele presente era pra mim ou pra ele? Qual era
a linha divisora de aguas entre um ato de amor altruísta e um ato de amor
egoísta?
Dei resposta a todas essas perguntas já imediatamente no primeiro dia
e na primeira saída de moto, quando me pai soube conciliar o natural egoísmo
dele com o altruísmo de uma grande entrega ao amor para “um filho” (eu, nesse
caso) dando-me, muito provavelmente, quase com certeza, sem nem sequer dar-se
conta ou premeditação, a primeira e uma das maiores lições da minha vida. Eu
era tão pequeno e a moto tão alta que nem sequer tocava com os pés no chão.
A
vida estava lá se apresentando-se em forma de moto, de máquina pronta,
produzida, perfeita, com um motor potente e eu lá, com ela, na sua presença,
tão pequeno e despreparado a tudo. A mensagem do desafio da moto e da vida era
claro: “pronto, ou tu me dominas ou tu sucumbes”.
Meu pai nós-levou (eu e a
moto) em um grande parque cheio de árvores. O que aqui se poderia chamar de
interior ou mato. Só que em Milão, uma metrópole, onde nasci e fui criado, a
natureza é algo de muito relativo. Um conceito artificioso e desconhecido.
Tanto é que a maioria das crianças das escolas básicas acredita que os animais,
exceto os pets domésticos, nasçam e cresçam diretamente nos supermercados, já
embalados. Eu estava espantado por todo aquele verde. E ao mesmo tempo
excitado, exaltado e assustado a ideia de ter que ir de moto.
E lá veio a
lição, de vida.
Meu pai me levantou com os seus braços fortes (ou eu era muito
pequeno e a memória infantil joga a construir o mito do pai forte) e me colocou
em cima da moto, segurando com um braço o meu braço e com o outro a moto para
que estivessem em equilíbrio. Eu nem sequer tocava no chão, lembro.
Segurado o equilíbrio,
ele me olhou, chamou a minha atenção e me mostrou:
“olha Deny, girando essa
rodinha eu estou tirando os freios desta moto. Agora você está sem freios. Mas
você pode acelerar e reduzir a velocidade apenas usando o motor e subindo e
descendo com as marchas. No caso tu não conseguir, tu vai cair, ok? Se for,
cuida portanto de não bater e salpicar contra uma arvore. Ok? Agora vai!”.
E eu
fui.
E o que aprendi, além de ir de moto?
Que na vida se cai; é inevitável. É natural. E não é um
pecado. E que não apenas, depois de cada queda, tu podes levantar-se de volta,
mas que também é importante preparar-se para saber cair.
Se tu não internalizas a ideia da
possibilidade da queda dentro de ti, não vai acha-la possível, portanto estará
despreparado, assustado, chocado se for acontecer. E como vai reagir? Negando a
queda? Fugindo no retiro ou na doença? Evitando de repetir o que te levou a
cair? Deixando de acreditar, ter esperança, confiar, sonhar? Em poucas palavras
viver?
Nada de tudo isso.
Na vida se cai. E levanta-se, também.
E conforme ao
quanto melhor se aprende a cair, quanto mais mais simples é levantar-se. E
construir esses recursos, a fazê-lo, é algo que pertence ao indivíduo. Es tu
sozinho que tem que aprender a cair e levantar-se. Ninguém pode fazê-lo por ti.
Ninguém pode evitar que aconteça.
Cada um é o único motorista e determinador da
própria vida. E meu pai me ensinou isso com a amor. Não foi inconsciência. Não
foi descuidado.
Ele estava lá. Ao lado. No fundo. Me observando, Me
acompanhando. Me transmitindo segurança, sem fazer as coisas em meu lugar.
A
mensagem era clara. Vai e vira-se até o teu limite. Eu estou aqui. Vai e testa o
teu limite.
Se acontecer alguma coisa, e pode acontecer, tu resolves até
conseguir. E além disto também. E quando não conseguir mais de verdade, eu
estou aqui e intervenho.
Nunca vou te deixar sozinho: mas a vida e tua e as
suas redijas e guidão estão contigo.
Te amo filho. Te amo pai.
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