Zortea, Gransotto, Igreja, Política (e manipulação retórica)



Padre Reneu Zortéa durante a celebração da missa do dia 08 de maio, na Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo afirmou que se a presidente Dilma for afastada do cargo, o Brasil será governado pelos demônios, por um grupo de mafiosos e milionários. 


O vereador e advogado Raul Gransotto reagiu declarando de querer apresentar na Câmara uma moção de repudio contra o padre para ter feito da igreja graças e por meio dessas declarações, “um veiculo de manipulação política sobre a população”. 

A senhora Ane Renate Kick comentou no meu facebook que, na opinião dela, a religião não teria que fazer política e um padre teria que transmitir apenas a palavra de Deus

Bom, longe de mim defender o padre, criticar o vereador ou até mesmo tirar as convenções da senhora. 

Porém: 
sendo que essa polemica envolve, de um lado, duas instituições como a Igreja e o Município, ou seja todos nós, e, do outro, fortes sentimentos ideológicos populares como os dos crentes, acho que o mínimo necessário e suficiente para tratar essa questão polemica com respeito e dignidade dos conteúdos e das pessoas, seja pelo menos usar as palavras e os conceitos usados na polemica pelos seus significados precípuos

De fato, todas as vezes que isso não vem feito e as pessoas, ingenuamente ou propositadamente, atribuem ás palavras o significado que acham ou querem que as mesmas tenham, em lugar do que elas de fato tem, para gerar os efeitos que querem ou do que precisam, estamos perante uma operação de manipulação retórica finalizada a uma instrumentalização dos resultados, sejam que sejam vantagens políticos (tanto por meio da igreja quanto nas instituições civis territoriais) ou, seja que seja, conforto pessoal. 

Então vamos esclarecer alguns conceitos básicos. 
O que vou escrever não é uma opinião. São apenas definições objetivas dos termos e dos conceitos. Portanto a questão não é “concordar” vs. “descordar” quanto “conhecer” vs “ignorar”

Começamos dizendo uma coisa obvia. 

Religião e igreja não são a mesma coisa - são dois conceitos diferentes

Definir o conceito de religião precisaria muito mais cuidado, tempo e espaço do que tenho nesse artigo, dada a complexidade da sua semântica e da sua mística, que mudam conforme as perspectivas com quem vem abordado o conceito: perspectiva fenomenológica, histórica ou antropológica que seja. 
Digamos para simplificar que a religião é o que tem a ver com o sacro

Diferentemente, Igreja, etimologicamente, significa assembleia, e tecnicamente representa e constitui, em âmbito cristão, a pedra fundacional da instituição política da regulamentação do sacro baseado sobre o livro da bíblia, e outras escrituras reconhecidas, para a criação de uma comunidade organizada politicamente conformes aos princípios religiosos cristãos. 

Ou seja, simplificando, a igreja é uma instituição que nasce e se constitui como veiculo politico para a regulamentação de princípios religiosos

Basicamente a Igreja é uma instituição inerententemente política. 
Há 2000 anos que faz política. Política seja no sentido institucional do termo: é só lembrar que é um Estado com soberania nacional, com exercito e com banco; aliás, o único isento das regulamentações sobre as justificativas das transferencias institucionais, etc. Entre aspas lembro apenas a função política que papa Woiytila (João Paulo II) teve para a queda do comunismo e do muro de Berlin seja apoiando economicamente os Estados Unidos por meio do IOR, seja por meio do sermões que impulsionaram a população a revoltar-se contra o comunismo como inimigo do cristianismo; etc. Não é uma ação política cada vez que o papa encontra um chefe de Estado, mesmo não seja cristã, determinando assim  influencias nos equilíbrios geo-políticos-economicos? 

E obviamente faz política no sentido amplio e social do termo, sendo que é politico tudo o que tem consequência publica. 
É política no momento em que entra nas constituição das outras nações; é política no momento que entra nos modelos didácticos das escolas; é política o ordenamento patriarcal que a igreja prega e que se regulamenta no direito canónico, que junto ao direito justianiano (ou seja romano), funda o direito brasileiro, que tem no direito de família a suma do direito eclesial patriarcal. 

Portanto, seja claro, religião não é a mesma coisa de igreja
E um padre, formalmente, é um funcionário da igreja. 
É sujeito as normas internas e  recebe o salário de uma instituição fundada para gerenciar o sacro. 
O fato que ele fala de Deus não significa que a palavra dele seja divina. 

A igreja é política e por definição é um veiculo de manipulação política sobre a população. 

Eu pessoalmente fiz 4 anos de teologia mais, obviamente, toda o ter religioso da igreja e a educação religiosa crista no sistema escolar. Convido quem quiser a debater essas questiones comigo em um meu programa radio PcDy. Qualquer eclesial explicaria tranquilamente isso. 

Que a igreja seja uma instituição política e faça política é um dado de fato e um principio fundante da igreja mesmo. 
O fato que as pessoas encontrem por meio da igreja a religião e cumprem nela cultos e rituais é um corolário, não um principio absolto. 

Outra questão é o partidarismo. Fazer política não é a mesma coisa de fazer política partidária. 
O que o Zortea fez foi partidarismo local (no sentido de localmente referido a uma política nacional de um estado especifico: o Brasil). 

Porém vale a pena também destacar que não tem nenhum veto do Vaticano em fazer partidarismo. É uma questão de linha das singulares organizações comunitárias. 

Na Europa do pós segunda guerra mundial os partidos que lideraram os governos por décadas foram partidos de matriz cristã coordenadas diretamente do Vaticano. 
A igreja latino americana sempre teve constitutivas conotações militantes esquerdistas: a assim chamada igreja da libertação que, conforme as épocas históricas as sintonias ou dissonais com os vários governos teve o apoio ou as resistências, inclusive econômicas, do Vaticano. 
Esse é um dado de fato. Não significa que seja um direto e nem sequer um deve: porém não “herético”. 

Mas enfim, o ponto é que criar e instrumentalizar essa polemica manipulando termos e conceitos como igreja, Deus, Fé e política, alavancando o “sentimento de fé” dos crentes e a onda de revolta partidária contra o governo por fins políticos (tudo bem que o vereador faz assim o trabalho dele), ao final, é apenas uma operação simbólica de manipulação retórica

Qual é a vantagem geral e concreta para a população de uma  moção de repudio, igual a que foi aprovada contra as revistas Veja e Isto é duas semanas atrás, a não ser o fortalecimento politico da pessoa ou do partido que a propõe? 

Eu acho que os repúdios tanto quanto as aceitações teriam que basear-se primariamente sobre claros entendimentos e públicas explicações dos conceitos,; como por exemplo, nesse caso, o que um padre, de um ponto de vista cívico, é primariamente um funcionário publico de um Estado (o Vaticano), e enquanto tal exerce uma função política assim como a de qualquer funcionário publico; o seu trabalho é falar de Deus mas a sua palavra não é divina. 

Se a igreja perde crentes, como comentou um senhor no meu facebook, não é porque faz política, algo que faz parte do seu DNA e que sempre fez, mas porque faz uma péssima política. 


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