Ser (brasileiro) e Tempo (virtual)

Tem um traço brasileiro que sempre impacta dentro de mim, enquanto discrepante diferença cultural respeito a dimensão europeia, pragmática, calvinista ou judaico-crista que seja, que caracteriza o assim chamado “mundo ocidental”. Esse marco é a relação entre identidade e tempo. 

Para os “ocidentais”, filhos de Cristo, o presente [2] é um elo de ligação entre o passado [1] (orçamentos, balanços, memória) e o futuro [3] (objetivo, planejamentos, propósitos). O EU é uma função temporal linear [1-2-3!] entre culpa e expiação; declarações e provas, morte e contínuos novos nascimentos. O Deus cívico é o resultado. O principio fundante a concretude no encerro da sequencia. O campo de atuação e desenvolvimento de identidade é o trabalho/mercado. 

Já na cultura oriental o tempo não é sequencial mas cíclico [1-2-3-1-2-3-1…]. O EU, no sentido indivíduo, por isso, não existe. O que existe é uma parte dentro o tudo: um EU-ALEM, função do transcendente. Por isso a forte espiritualidade em contraposição ao materialismo ocidental. 

E na cultura sul-americana? Não sei. Não conheço. Ainda. 
Mas partindo do que observo me parece que o EU do sincrético brasileiro seja função do presente. Ou seja, não função sequencial [1-2-3]; não tem memória (faz sempre os mesmos erros. exemplo: política); não tem futuro (exemplo: não planejamentos empresariais). Não tem sequencia nem assunção de responsabilidade entre o que faz e as consequências. Não deixa de beber a uma festa se tem que trabalhar no dia seguinte. Se estiver de ressaca (ou chove) simplesmente não se apresenta. Não deixa de comer para ficar magro (tem lipo). Não deixa de transar se está com tesão somente porque depois teria que assumir um casal, um filho, uma mudança, etc.
O EU é função de um momento: O PRESENTE é TUDO [2-2-2…]. O principio fundante é o prazer. O Deus cívico é o conforto paternalista. 

Está na linguagem, deposito de cultura. Exemplo? A locução “Vai dar tudo certo”. Enquanto filho da sequencia para mim não é suficiente para deixar confortável o meu presente. Para ter um conforto preciso ter uma visão antécipatoria do futuro; saber “como” vai dar certo. Qual a sequencia dos passos e das ações a fazer [1-2-3]; quais os tempos e prazos previstos; quais as provas verificáveis. Preciso saber o passo 2 previsto no caso der certo o passo 1 e também o passo 2.1 se não der. 
Aqui não. A mesma esperança, por exemplo, fica circunscrita ao presente. “Vai dar tudo certo” serve para deixar melhor o “agora” [2]; não se traduz em plano; não em ação. Mais ou menos como acontece com o “te ligo” e/ou o “deixa comigo”. 

Sintetizando, se pode dizer que na cultura ocidental o EU é um produto da própria ação que se mede em função dos resultados e das consequências. A palavra é um contrato que empenha a ação e por isso ao valor da identidade. Aqui a palavra é já ação. Exatamente como no ocidente fazer a fila é não fazer nada; é perder tempo. Aqui fazer a fila é já fazer uma coisa: é “fazer” a fila. O presente está preenchido (como a agulha de chimarrão). 

Por que estou dizendo isso? Se é suficiente que uma ideia de futuro seja de fato presente; se é suficiente que algo de indefinido seja vivenciado como concreto; então me pergunto: como as identidades virtuais determinam ou influenciam a construção do próprio ser? Como a “declaração imaginaria de si mesmos” se traduz em principio de responsabilidade e de comportamento nos adolescentes e nos modelos educativos? Com que coerência? Com que responsabilidade entre causa e consequência, entre declaração e comportamento? 

Quero dizer, por exemplo: vejo constantemente um monte de meninas postar no facebook frases filosóficas sobre a vida do tipo “sou uma mulher resolvida”, “o sentido da vida é o desapego, a simplicidade , a autenticidade e bla bla vários”, acompanhadas da foto provocantes com atitudes semi pornograficas. E aí? Tem algo que não fecha. 
Assim como mulheres que se declaram emancipadas e esperam o finalzinho da festa, após ter dançado todas es sertanejas possíveis, para alguém que as leva embora. Ou pelo menos lendo assim todas as dinâmicas relacionais. 



("a vida é simplicidade. curte a vida")

Será que contar-se de ser é suficiente para ser? E a coerência? E os comportamentos? E as consequências? Quanto a identidade virtual é real? Se pensamos que facebook patenteou o testamento digital para que o perfil seja deixado em herança depois da morte assim como nasceram plataformas (eter9 e eterni.me) que te permitem de comunicar depois ser morto, vale a pena questionar os interrogativos. Coisa que farei na próxima Zona Franca

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