O Jantar dos ansiosos



O Brasil tem fama mundial de ser o País da alegria, da capacidade de ser feliz. Talvez essa tenha realmente sido uma realidade brasileira, isto na época em que o desafio era sobreviver e não crescer. Porém é evidente como, atualmente, a nossa região seja devastada por problemas de ansiedade, depressão, ataque de pânicos, etc. Os dados Avira confirmam como oeste catarinense seja um dos lugares que consuma, proporcionalmente por população, mais antidepressivos e ansiolíticos do mundo. 

Aposto que quem está lendo a coluna conhece pelo menos uma pessoa fortemente ansiosa. Talvez ela mesma. 



Mas o que é exatamente a ansiedade? E o que fazer para supera-la? Um dos limites de nós psicólogos são, as vezes, a nossa linguagem e maneira de explicar que parecem complicar mais do que simplificar. Então, após mais do que 15 anos que trato problemas de ansiedade, hoje me permito a licença de sair da linguagem técnica e pomposa típica de nos psicólogos, e usar palavras comuns para ajudar você que está lendo, á entender de maneira simples e clara o que é essa maldita ansiedade. 

Uso uma metáfora. Imagina convidar várias pessoas para jantar. Cada uma delas está esperando na mesa com o seu prato vazio à frente. E ai chega você, o anfitrião, com uma panela de pinhão que coloca no centro da mesa. Agora, imagina que ao invés de servir cada um, você-anfitrião coloca toda a panela no prato de só um convidado. Em um único prato. Ou dois. Imagina, também, que há um cachorro ao lado latindo forte, não dando sequer para escutar os pedidos dos outros convidados que continuam sentados, deixando você acreditar que está fazendo tudo certo. 
Que tipo de jantar imagina que terá? Ruim não é? Bom, na verdade, todos os participantes do jantar é você mesmo. 
São todos parte de você: a sua criança interior, o seu juiz interior, o pai e a mãe introjetados, a necessidade de sentir-se reconhecido, amado, realizado, protegido, etc. Todos em você mesmo. 
A ansiedade é o sinal de alarme que algo não está dando certo, porque não está sendo justo e honesto com aquelas partes, com você mesmo. Até aqui então, é um alarme que uma vez escutado é útil, porque avisa que a parte que representa o anfitrião vai sentir-se um fracasso e as outras vão sair esfomeadas e chateadas por terem sido desconhecidas e desvalorizadas, ou seja, não servidas durante o jantar. 
E tudo isso vai se repetir porque você, na confusão dos convidados e no barulho do cachorro, não tinha como dar-se conta dos acontecimentos e não conseguiu escutar e reparar. 
O jantar, obviamente, vai ser um desastre. 
E o jantar é o dia a dia, somos nós no mundo, é a vida. 
Ah, o cachorro é o fármaco, o remédio. É o barulho. 
O psicólogo seria o mordomo que permite ao anfitrião sentar-se com os outros, que cuida de servir, escutar e deixar todos os convidados falar de maneira justa e satisfatória. Assim no próximo jantar, vão todos saber o que fazer e não vão mais precisar do mordomo e obviamente de alarmes. 

Resulta evidente, então, como a ansiedade seja um símbolo, um sinal e lembrete que algo (a própria vida?) está sendo desperdiçado. E’ o alarme que a energia da nossa vida que quer entrar em contato com a nossa consciência está chocando-se com o nosso eu demasiado rígido. Nesse sentido, como vimos, é positiva. é um despertador. Quando, no entanto, este mecanismo continua a persistir mesmo após o fim dos eventos pertinentes as causas da ansiedade, falamos de ansiedade patológica que é caracterizada por um estado permanente de tensão que afeta a capacidade operacional e de julgamento. 

O ponto é que com o crescer da civilização, surgiu uma ansiedade de sucesso pessoal ou de raça; uma de poder e de conquista para ganhar prestígio e riqueza. Hoje, o boom econômico introduziu a ideia de bem-estar baseado na posse, a preocupação é desacoplada das necessidades reais e é focada no efêmero. Ansiedade cresce descontroladamente e pega a forma de ansiedade de posse. Hoje nós temos tudo e muitas vezes a ansiedade tem a ver com a superação dos próprios limites. A comparação e a competição sobre os salários, que tem ser mais altos dos outros. O passar o concurso. O ter sempre o melhor, inclusive quando se fala de família e relacionamento. Etc. Quando estes se tornam os únicos valores em torno do qual gira a nossa vida, aqui vem a ansiedade, ou seja o medo de perder tudo, inclusive o que não se tem.  

Ai vem a ansiedade, a voz interior que te murmura: “pera aí. Tá certo que tudo isso tem sentido? onde tu tá indo?”

Resumindo: a ansiedade é o símbolo de uma vida que talvez seja desperdiçada; estamos ansiosos porque estamos perdendo o sentido da vida; porque não reconhecemo-nos úteis, necessários; porque não servimos a alguém ou algo; porque nós não sabemos para onde estamos indo; porque talvez não haja um sentido nas coisas que fazemos. A ansiedade é a testemunha de que você está procurando ser alguém que, no fundo e de fato, não é. Não vale a pena viver assim, sem escutar-se. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mudita - O princípio da felicidade

Pilotos cegos ao governo e...protestos

Crianças Mal Educadas (como rechonece-las) e Sentimento Civico