Eu (não) mereço ser estuprada
Um nenê apanhado dos pais não tem estruturas psicológicas
para entender que isso está errado. Alias vai criar-se construindo uma imagem
de si enquanto merecedor de desvalor.
Uma pesquisa da Ipea
sobre a tolerância à violência contra as mulheres e um artigo da revista
francesa Le Monde, nessa semana, me chamaram atenção de como o mesmo principio
se aplica aqui a uma das realidade do que me ocupo há mais tempo: a mulher. A pergunta surge espontânea: como é que a mulher está se criando hoje no Brasil?
Como já escrevi em outras colunas a mulher se depara
ainda em uma contradição: por um lado, uma herança histórica que a limitou a
ser mãe, esposa, etc.; por outro, a possibilidade de escolher seu futuro e se
fazer sujeito de sua história, em pé de igualdade com o sexo masculino. Porém,
é no interior dos lares que vem à tona o lado mais obscuro e cruel desta
contradição, muitas vezes com a conivência da própria vítima: a violência (doméstica)
contra a mulher.
A pesquisa bem mostra como a luta pela conquista de
direitos e igualdade ainda não atingiu um patamar aceitável, pois a mulher
continua sendo discriminada e alijada do poder do macho. O pior é que isso vem
ainda legitimado das mesmas mulheres (vê coluna “As mina pira”); Não são então suficientes
recém-conquistas civis e legais como a criação das Delegacias Especializadas
para Atendimento às Mulheres (1985) ou a lei Maria da Penha (2006) se a
desigualdade fica fortemente enraizada nas cabeças dos dois gêneros.
De fato os índices de violência praticados contra elas
são alarmantes. Por exemplo, o estudo revela que a maioria da população
brasileira (65%) acredita que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo
merecem ser atacadas” e que “se as mulheres soubessem como se comportar,
haveria menos estupros”. Em 2013 foram entrevistadas 3.810 pessoas em toda a
federação, sendo que as próprias mulheres representaram 66,5% da amostra.
Em relação à frase “se as mulheres soubessem como se
comportar, haveria menos estupros”, 35,3% disseram estar totalmente de acordo e
23,2% parcialmente.
Por trás da afirmação, está a noção de que os homens têm
direito as seus apetites sexuais incontroláveis; então, as mulheres que os
provocam é que deveriam saber se comportar e não os estupradores. Se
acrescentemos que o 30% acredita que a mulher tem que satisfazer sexualmente o
marido mesmo não querendo, o cenário de violência que se abre fica assustador.
Le Monde confirma isso, destacando como o Brasil ocupa a
82ª posição no ranking de desigualdade elaborado pelo World Economic Forum,
logo atrás de países como a Albânia, Gâmbia, Vietnã, etc; ultimo do América
Latina e com as diferencias salariais e de aposentadoria entre gêneros maiores.
Enfim, obviamente existe uma ligação entre lei e cultura porem
parece mais fácil mudar a lei do que mudar as mentalidades. Por isso talvez é
cedo para que Maria Foster, presidente Petrobrás, se pronuncie contra a
proposta de um sistema de cotas para favorecer a participação feminina no
mercado de trabalho e nas instituições. Ainda o Brasil precisa de medidas educativas normativas e externas para introjetar princípios de direitos civis e humanos assim como o voto obrigatório serve para educar aos princípios de democracia e as cintas de segurança a uma consciencial civil em dirigir.
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