A minha Res-Publica


Esta é uma reflexão. Não uma crítica. O pretexto decorre do fato de que o serviço público onde, além do consultório, trabalho fechou nessa semana ao meio-dia para que nos funcionários pudéssemos comemorar o aniversário de um colega. Vocês diriam: e daí? O ponto é que, geralmente, o serviço, que repito é público, não fecha neste horário sendo que oferece aos seus utentes o almoço, grande auxilio para eles. Bom, sendo que o valor da troca de ideias me importa muito mais do que ser julgado "chato", declarei a minha perplexidade: "Para mim não está certo! Estamos afetando uma coisa pública, para um propósito particular". As reações me deixaram por um lado surpreso, por outro me induziram a pensar.

"Mas imagina, como poderemos se não nos encontrar-nos? À noite, temos outras coisas para fazer. É o único momento em que todos ficamos disponíveis!”; ”É normal, todo mundo faz isso. O prefeito mesmo participa e nunca disse nada"; "Mesmo o cancelamos quando temos formação”.

Tá certo! Seja claro. Não sustento que seja uma violação à norma; Não é ilegítimo. De fato, é normal, porque todo mundo faz isso. Mas a história está repleta de comportamentos legítimos, que todos atuam, até que as coisas mudam e olhando retrospectivamente parecerem incorretas.

A formação, alias, tem a ver com o trabalho com a capacitação; o comemoro com o privado, com o prazer. Mas o que me deixou mais perplexo foi que, com extrema naturalidade, uma razão pessoal (“é mais fácil para nós”) prevaleceu sobre uma de serviço (o direito do utente); Resumindo: O “Eu” sobre “os outros”; a lógica da coisa particular sobre a coisa (res) publica.

Repito. Não é uma crítica. Isso tem que ser entendido enquanto enraizado: o Brasil em termos de “coisa pública" ainda é um adolescente (longe de ser Gigante). Seus 125 anos nesse sentido, além da colonização, o confirmam: a proclamação em 1889: o golpe da renúncia de Deadoro em 1891; aquele em 1930 de Vargas; a redemocratização em 1954; o golpe militar em 1964 e o golpe dentro do golpe em 69; em 1985, a nova república que tem ainda hoje o voto obrigatório.

De que maneira pode evoluir-se o conceito de coisa pública se a história nos ensina que todos pegam o que querem para si e aqueles que não pegam ficam sem nada?

Isso também dá pra ver-se na maneira de cumprir um trabalho de serviço. Quantas vezes, preso e perdido na burocracia, sofri  funcionários ausentes (por ressaca, fim de semana longo, razões familiares, razões de saúde, etc.). Quantas ouvi "Eu não sei, talvez outro sabe" ou "tente me entender, não depende de mim" (mas vai dar todo certo, se Deus quiser).

OBS: A lógica que resulta parece a seguinte: não é o serviço que responde ao cidadão mas a pessoa que está relacionando-se com outra pessoa. Ou seja, O direito é uma questão de amizade e laços.

Mas, sendo assim, a reflexão se amplia: se os raciocínios: “a coisa particular prevalece sobre a pública” e “facilitar quem esta dentro em detrimento dos que estão fora" tem validade como princípio geral e histórico que pertencem tanto aos cidadãos/pessoas quanto as administrações/serviços, em seguida, como ler a política? Como os contínuos financiamentos solicitados e obtidos, que endividam o futuro dos seus cidadãos, apesar dos governos em ativo? Só para se ter uma ideia, as regiões metropolitanas do Grande Oeste e Contestado, criadas em conformidade com o artigo 114 da constituição do estado SC para facilitar o acesso ao fluxo de fundos de Brasília (BNDS, BID, Caixa) tiveram em apenas dois anos, por meio do FUNDAM, a maioria de pedidos e recursos fornecidos em valor: por exemplo, $ 433.000.000 para o PL/32/2012 e agora 11,6 de convenio.

Como a maneira de informar o povo sobre as escolhas políticas? Por exemplo, 01 de abril, houve mudanças nos cargos superiores da administração municipal: "São todas pessoas boas" foi a explicação publica. Mas será que isso tem a ver com amizade ou com a res(coisa)publica?

*Res = do latim “coisa” – res publica = a coisa publica; a republica

Comentários

  1. Sua reflexão está correta, Deny.
    No Brasil o "privado" tende a vir sempre a priori ao "público" de modo geral.
    Talvez isso seja uma tendência de comportamento do ser humano em geral, e aí entra mais o seu conhecimento pragmático em psicologia e antropologia do que o meu.
    Contudo, isso está enraizado nas bases culturais do brasileiro, desde o mais simples às mais altas instâncias, como o STF, por exemplo, com raras exceções.
    Isso dificulta o bom funcionamento dos serviços prestados aos cidadãos, e é justamente nestas horas que nós (contribuintes) nos sentimos lesados, muitas vezes tendo que recorrer aos laços de amizade para resolvermos problemas (que não são favores, pois pagamos por isso) que se acumulam na burocracia governamental, refletindo em absolutamente quase toda a espinha dorsal que move o país.
    É nítido que precisamos avançar neste campo, amadurecer, mas é um caminho longo e árduo, assim como tudo na vida, mas como sabemos, mudanças envolvem muitas vezes uma desconstrução da realidade "legítima" que as pessoas conhecem no seu cotidiano.
    No meu modo de ver, mudanças culturais só ocorrem aos poucos, a partir da mentalidade, na busca de um bem maior para a sociedade, fazendo-se entender que todos ganham com isso, e não apenas algumas poucas pessoas.

    Rod Raiher

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