O dom do presente

Hoje um pensamento simples, talvez óbvio, mas nunca banal. Ou, pelo menos, que nunca deveria se-lo, por distração ou indiferença.

Nestes dias todos nós temos o coração cheio: de família, encontros, presentes e alimentos. Eu também estou viajando para isso: abraçar os afeitos, para o Natal, cujo significado é próprio “dom”. Mas cada vez, no avião, acontece sempre uma situação que me impressiona e dói.
Talvez seja porque incluído no bilhete, as pessoas quase nunca recusam a bandeja de comida, mesmo que meixam pouco ou nada. E logo, como águias, chegam as aeromoças que, sem nenhuma cerimônia, jogam tudo fora, água e muita comida, mesma a longa validade e já embaladas.

E o meu pensamento corre sempre para os problemas da fome, hoje mesmo atrozes. Cresci ouvindo as historias de guerra, cenas de terríveis de privação e humilhação. Um ex- prisioneira dos campos nazistas me contou de um homem, desprovido por causa da fome de qualquer esperança e humanidade, que perto dela matou um outro desgraçado como eles por um resíduo de cenoura encontrado no lixo. E aqueles de minha avó, que só podia comer uma vez por dia. Enfim, os projetos humanitários em que já trabalhei, encheram os meus olhos de imagens violentas e terríveis de desnutrição. Especialmente das crianças.

O próprio Papa Francis lembrou recentemente  "Um bilhão de seres humanos sofrem diariamente por questões de grave escassez de alimentos".

A FAO, a organização da ONU que lida com o combate a fome no mundo, argumenta que a razão principal, se não a única, é o desperdício de alimentos e a baixa eficiência na produção alimentar, seja na distribuição que no consumo.

Só para ter uma idéia: Aproximadamente 30.000 pessoas morrem diariamente de fome e de causas relacionadas. 10% das crianças nos países em desenvolvimento morrem antes dos 5 anos de idade. A fome e as guerras causam apenas o 10%, embora estas são as causas ouvidas com mais freqüência. A maioria das mortes de fome são causados​por desnutrição crônica. Além da morte, a desnutrição crônica causa deficiência visual, um permanente estado de fadiga, que provoca uma baixa capacidade de concentração no trabalho, crescimento atrofiado e extrema susceptibilidade à doença. As pessoas extremamente desnutridas não conseguem manter as funções vitais, mesmo básicas. E é uma realidade que também pertençe ao Brasil.

Sempre a FAO afirma que a cada ano se perde uma quantidade enorme de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos de todos os tipos, quantidade que seria suficiente em uma só penada para resolver os problemas de má nutrição de todos os povos famintos da Terra.

Tanto desperdício e ineficiência, é claro, prejudicam também os recursos ambientais: a cada ano, estima-se que os processos de produção da agricultura absorvem cerca de 10.000 metros cúbicos de água, com a consequente criação de uma enorme massa de resíduos destinados tornar-se tóxicos para seres humanos e a terra, tal como o dióxido de carbono e metano.

Com isso não quero demonizar o nosso estilo de vida e o valor do bem-estar, e muito menos visar ao sentimentos de culpa. Meu foco é colocado no "desperdício", que não é apenas "jogar fora" mas também "dar por certo" o que temos: esquecer de nos surpreender-se e agradecer pelo "dom" do presente.
Temos cuidado de dar valor ao que temos, enquanto o temos. Não jogamos fora o que é bom para nós, que nutre nosso corpo e alma. Não falo apenas de comida. Mas também de família e amigos; da mulher/homem ao nosso lado. Do trabalho. Da saúde.

Não vamos ser dominados pela indiferença ou pela corrida ao material. Não nos esquecemos de dar valor às coisas e os outros, com pequenos gestos, cuidados e sem desperdícios. A vida é um presente. Não só no Natal.

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