Jovens deprimidos e Baleia Azul (mesmo se fake): explicação psicológica.


O Brasil, muitos adultos, pais e opinião pública, parecem estar se acordando, repentinamente e assustados, diante uma condição existencial viral que marca uma geração moderna de crianças e adolescentes: uma dimensão que desenha uma realidade social dramática e uma dimensão psicologia fragilizada. O estopim é o “jogo" da Baleia Azul (se assim vale pude-lo chamar de "jogo"), onde os participantes são desafiados em provas que mandam a auto mutilar-se até a morte. 

Obviamente seria um erro ficar focados sobre o jogo em si mesmo. Ninguém obriga a jogar, assim como ninguém obriga a drogar-se, a correr de carro, a transar promiscuamente sem camisinha e, em geral, assumir comportamentos perigosos e prejudiciais para a saúde e nas consequências. 

Então o que leva os nossos jovens, que nossos não são, a desafiar a vida dentro mecanismos de grupo regrados e compartilhados que chamamos de "jogos"? 

Leio vários artigos, comentários e opiniões sobre o fenômeno Baleia Azul: previdentemente descrevem e alarmam sobre o fenômeno, mas nenhuma dessa o explica. 
Nenhuma explica o POR QUE os jovens escolhem envolver-se. 

Portanto aqui proponho uma explicação que deriva de uma experiência clinica de 20 anos tratando jovens e adultos e da minha maneira de pensar como psicólogo e antropólogo. 
As seguintes reflexões se propõem de abrir o dialogo com colegas, profissionais e pais para aumentar o entendimento de uma linguagem da dor e do sofrimento que está mudando mais rapidamente do que conseguimos gerenciar.

Sim, porque a maioria dos bastidores que se pronuncia em mérito, relata e ressalta como o húmus  de fundo que caracteriza os "jovens azuis” (assim me permito chama-los para evidenciar a especificidade da dimensão de personalidade latente e das dinâmicas psicológicas envolvidas que os marcam) seja a depressão
Mas é muito importante, destaco, lembrar e dar-se conta de como a linguagem da depressão, hoje em dia, seja muito diferente da de 20,15 ou até mesmo 10 anos atras e muda, continuamente e rapidamente, conforme ao mudar das linguagens culturais, tecnológicas, sociais e afetivas. 

Hoje por exemplo, chegam no meu consultório pessoas que relatam ter recebido diagnósticos de bipolaridade, ansiedade e esquizo-tipia mas que de fato, ao meu ver, tem como dimensão psicopatológica primaria a depressão. Esta falha no reconhecimento, além de produzir dor, prejudica a recuperação de uma estado de harmonia, deixando muitas vezes a pessoa presa na escravidão da dependência do remédio. 

Temos portanto que entender a linguagem coeva da depressão para entender o que leva os jovens azuis, deprimidos modernos, a procurar dor, sofrimento, morte e vida. 

O foco portanto, destaco mais uma e a ultima vez, é entender a linguagem moderna da depressão. Como se manifesta hoje

A culpa não é do jogo. A Baleia Azul não é diferente dos desafios do jogo ‘the program’ dos anos ’90 ou dos do ‘jogo’ da asfixia de alguns tempos atras. Hoje, de fato, também estamos produzindo a cultura do seriado “13 reasons why” assim como a de “50 tons de cinza”.
A questão que temos que entender não é a imitação mas a produção destes fenômenos e do que tem por trás. Estes “jogos” e “mitos" não deixam de serem apenas estruturas de expressão cíclicas de fenômenos psicopatológicos em continua transformação (ou seja mudança de forma). 

Bom, vamos ao ponto. Para entender a depressão que fica por trás dos “jovens azuis”, na minha opinião, temos que considerar e entender três fatores: 1) a moldura cultural; 2) a dimensão familiar; 3) a estrutura de personalidade individual. 
Vamos ve-las uma por uma. 

1. A MOLDURA CULTURAL 

Temos que entender que nos vivemos uma época esquizofrênica e psicótica. O que significa? 

Significa que a integridade do nosso “EU”, a percepção e o reconhecimento que nós somos uma unidade bio-psico-social única, mente e corpo, com presença e identidade constante no espaço e no tempo, independentemente dos contextos e das condições, é fortemente colocada em risco, perturbada, complicada e fragmentada. 

Hoje temos a possibilidade e o culto das identidades e personalidades múltiplas. Cada um pode “ser” (e mostrar) uma de ser uma “coisa” no facebook, outra no instagram ou no Snapchat; 
sentir-se e ser reconhecido de uma determinada maneira em casa, de outra na escola, com os amigos, etc. 

Uma babel de identidades e realidades que se tornam confusões existências e experiências emocionais desagregadas quando não houver uma adequada contenção e reelaboração de significados que somente adultos competentes e atentes, que acompanham constantemente e sem invadir os percursos de desenvolvimento dos jovens, podem dar. 

Este tipo de fragmentação leva portanto, também, a uma cissão nítida entre o seu próprio corpo e a atribuição de identidade

Uma vez o corpo era o campo onde a identidade se construía. Era a primeira camada que permitia uma posição na sociedade e por meio dos grupos em desenvolvimento. O belo, o forte, o gordo, o magro, etc. 
Também o corpo era um meio. Usar o corpo para seduzir, para agredir, para impor-se ou até mesmo para sumir (se pense a anorexia ou ao retiro na solidão do seu próprio quarto). 
Mas até este ponto e nestas formas o corpo falava da pessoa. 

Hoje não. A dimensão esquizofrênica leva a pessoa a não sentir mais o próprio corpo necessariamente como parte dela. Se perdeu o principio de identificação. 
Tem muitos comportamentos juvenis, e não só juvenis, em que o corpo não parece responder da pessoa: fotos de nu compartilhadas pelas redes sociais e aplicativos; comportamentos sexuais nas escolas em troca de recargas de celulares ou colas (já com 11-12 anos); promiscuidade, surubas, cirurgias estéticas, etc. O corpo se tornou um objeto dissociado da lógica causa e efeito e do reconhecimento moral de si mesmo: 
o que o corpo faz é o corpo que faz, não eu” (não meu filha/o). 

Tudo isto é extremamente enfatizado dos medias, que penetram no subconsciente dos jovens como uma faca quente na manteiga. 

E tem mais: eu pessoalmente não subestimaria, nessa época global, a transposição de significados que vem do misturar-se de culturas e significados diferentes homogeneizados pelos mídias. 
Nós continuamos escutar de atentados kamikazes, homens bomba, etc. Apesar da reação de ameaça e estranhamento, também passa, de maneira subliminal, o valor de pessoas que martirizam o seu próprio corpo por uma causa moral maior. Tem de maneira subconsciente uma valorização da dor, do sofrimento místico e do martírio que se exprime no corpo. Uma dor que rasga o corpo e que se confunde com o sentido do justo e do superior. Assim como é com Cristo. Pilar enraizado da nossa cultura e da nossa linguagem, inclusive da dor, do sofrimento, da culpa e da expiação. 
Algo para que os jovens são muito sensíveis e absorvem dramaticamente em ausência de contextos de referencias estruturadores.
  
E aqui vem o ponto da dimensão familiar. 

2. A DIMENSÃO FAMILIAR 

Escuto muitos apontar o dedo contra o bicho papão de famílias ausentes, carentes em termos de afeito e presença, malvadas, etc. como responsáveis por trás do descuidado em dar-se conta do que está acontecendo com os filhos azuis. “Como não se dão conta?

Mas para entender os fenômenos reais e virais não podemos cair na armadilha de pensar que sejam sempre os outros os ruins. E os jovens azuis, os novos deprimidos, estão fermentando em muitas mais casas do que vocês imaginam

Por que? Como? 

Primariamente lembramos que estamos mergulhados dentro uma moldura cultural esquizofrênica. Todos nós. O que não leva apenas a dissociar corpo da identidade, identidade em contexto X da identidade em contexto Y e assim por diante. 
Acima de tudo estamos produzindo uma dissociação, uma desconexão, entre as causas e os efeitos, e consequentemente entre os comportamentos e as suas assunção de responsabilidades.

Todas as vezes que os pais resolvem problemas dos filhos para os filhos em lugar deles; todas as vezes que enquanto pais, protegemos, compensamos, evitamos de punir, permitimos que façam tudo sem limites, que não paguem para algo que fizeram ou não fizeram, que os defendemos diante os professores para algo que não cumpriram ou erraram, ou que aceitamos os “quero/não quero” deles, colocando-os ao centro do mundo e conformando nos aos pedidos deles como se assim fossemos bons pais, estamos criando as condições para que eles: 

  1. quebrem o elo entre suas próprias ações, efeitos e responsabilidade das consequências; 
  2. tenham um poder desproporcionado, que ainda não sabem gerenciar, em determinar quem eles são, colocando eles de fato em um vácuo existencial onde reconhecer-se e definir-se se torna um trabalho insustentável a ser finalizado sozinhos. 

Sim, porque o paradoxo educativo é que os pais que fazem tudo para os filhos de fato estão deixando eles sozinhos no desafio de se tornar pessoas integras, presentes com si mesmos e no mundo. Um enorme pródromo e determinador da nova depressão. 

Diante destes casos eu me refiro, nos meus tratamentos, a um modelo psicológico desenvolvido há não muito tempo na Europa que se chama modelo pós-racionalista.

Faço apenas um exemplo para esclarecer o que tem a ver com a Baleia Azul. 
Imaginem de estar em uma sala totalmente escura em que nunca estiveram antes. Vocês para posicionar-se na sala e dar-se conta de onde vocês estão, começarão a deslocar-se acaso, provavelmente batendo contras objetos e paredes. Mas estas batidas permitirão assim de dar medidas ao ambiente e mapear a posição de vocês, permitindo vocês de desenhar mentalmente o espaço em que vocês se encontram, posicionar-se e reconhecer-se. 

Em termos educativos estas paredes são os limites que os pais e as instituições dão ao decorrer dos processos evolutivos aos jovens. 

Sem estes limites estamos deixando os jovens em uma escuridão enorme, com paredes infinitas, onde eles nunca irão se encontrar, gerando uma serie de emoções interiores e profundas  insustentáveis e dramáticas para quem ainda não tem corpo social e identidade estruturada para encara-las e supera-las. Emoções quais medo, ansiedade, raiva, etc. 

Lembro que de um ponto de vista psico-patológico, a depressão é essencialmente raiva. A raiva que deriva do se sentir sozinhos, impotentes, cobrados a ser algo superior ou algo outro ao que se sente e se entende

Neste vácuo os jovens precisam de alguma maneira encontrar-se. Mesmo sozinhos. 

E aqui vem as mutilações, os desafios, a droga, a morte, a vida. 
Aquela dor que os jovens, e não apenas jovens, provocam em si mesmos, conforme o paradigma pôs racionalista, tem a mesma função das paredes da sala escura. 
Na dor, no sofrimento, no rasgo e no sangre da pele, eles, pela primeira vez, tem a sensação de despertar-se do vácuo e do indefinito existencial em que vinham deixados, sendo sem limites. 
Eles se sentem. 
A dor, o sofrimento, o desafio da morte, deixa eles se sentir vivos

A coisa mais próxima ao encontrar-se que eles conseguem dentro famílias ou extremamente ausentes ou extremamente presentes. Entre famílias “péssimas” que não vivem nada da vida dos filhos e/ou dentro famílias “perfeitas” que vivem tudo da vida dos filhos. 

Mas mesmo assim, famílias assim sempre existiram e sempre existirão. Ao final ser pais e ser família não é fácil e é um trabalho que se aprende sempre depois te-lo feito ou, no melhores dos casos, em curso de obras. 

Portanto nesse cenário global e geral, a peça que falta para completar a química do novo jovem deprimido é a estrutura de personalidade individual e a sua resiliença. 

3. ESTRUTURA DE PERSONALIDADE INDIVIDUAL 

Demoraria muito explicar aqui os vários e complicados processos e mecanismos que caracterizam o desenvolvimento juvenil. Baste, por enquanto, neste caso, destacar como dentro de uma condição de profundo vácuo e de dificuldade na construção da sua própria identidade (que uma educação familiar sem limites, seja por ausência ou seja por hiper presença, e dentro uma moldura cultural global esquizofrênica onde tudo pode ser possível e nada é real), os grupos assumem um novo significado e uma nova fundamental determinante função de construção
Não é mais apenas influencia e não tem que ser confundida com imitação. 

Muitas vezes atendo pais assustados para que os filhos pre-adolescentes possam serem homossexuais. Muitas vezes estes não são, mas acreditam de se-los. Por que? A identidade do grupo homossexual e o seu reconhecimento é uma identidade forte e muito acolhedora no seu interno. Tem comportamentos estruturados, ritualizados e solidários. No profundo vácuo de uma ausência de identidade e de uma dramática dificuldade a sentir-se, o pertencer a grupos fortes salva deste vácuo. E consequentemente ilude de salvar-se da tradicional forma de depressão. 
O que se ganha é o sentimento do pertencer, que ajuda a encontrar-se. 
E encontrar qualquer coisa é melhor do que não encontrar nada

Neste ponto se alimenta também o poder prepotente, perpetrador e penetrante das redes sociais e da difusão compartilhada destas identidades de grupos virtuais, como as que oferecem todos os jogos virtuais online, inclusive o da Baleia Azul. 

Nós todos, psicólogos e pais, antes do que pensar de resolver problemas ou proteger os nossos pacientes e filhos, teremos que abrir os olhos, entendendo com coragem, a nossa responsabilidade na produção deste vácuo e na produção dos seus artefatos e forma de expressão. 


O perigo agora seria banalizar. Talvez simplesmente fazendo campanhas políticas para proibir o jogo. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mudita - O princípio da felicidade

Pilotos cegos ao governo e...protestos

Crianças Mal Educadas (como rechonece-las) e Sentimento Civico