Corpo brasileiro: templo sa(g)rado

O corpo, sem duvidas, é um lugar nevrálgico de expressão de si mesmos e de equilíbrios pessoais, íntimos, e sociais, públicos. 
É a “imagem” de nós que, primariamente, colocamos e declaramos ao mundo do qual, em volta, recebemos um posicionamento hierárquico na mapa da sociedade; assim o corpo se torna uma verdadeira “camada existencial”: um espelho de nós dentro e perante os outros, conforme aos critérios de valor e de beleza que caracterizam culturalmente o mundo e a sociedade na qual estamos imersos e que variam de cultura em cultura e no tempo. 

Portanto, basicamente, o corpo é um lugar de construção de significados e é sede de processos e mecanismos psicológicos, antropológicos, etnográficos poderosíssimos. É só pensar como, por exemplo, o mesmo conceito de saúde, no ocidente tem enfoque sobre o corpo, basicamente por alopatia. Diferente de uma conceição de saúde mais holística como no oriente: a maioria das pessoas ocidentais se acha doente quando tem algo que não funciona no corpo, dentro os ditames da sociedade (sintomas objetivos) e para curar-se busca intervenções sobre o corpo (remédios e cirurgias). 

Esta visão não é natural. 
É uma convenção social, culturalmente produzida (e continuamente reproduzida) e também fortalecida do cristianismo, que colocou ao centro dos valores o “corpo de Cristo” (que a gente continua engolindo nas comunhões, inclusive de um ponto de vista mental). 

A consequência em termos individuais é o bem estar com si mesmos e em termos sociais é o pertencer e/ou a exclusão dos grupos e das classes. 

Mas tem muitas outras culturas em que o corpo não tem papel tão central na construção da identidade e/ou veicula outros significados. 

O ponto é que O CORPO, hoje em dia, se tornou aqui no Brasil, especialmente no sul, um verdadeiro TEMPLO, onde agem significados e forças únicas, muito particulares e, principalmente, ambivalentes, paradoxais e disruptivas. As varias industrias, da cirurgia plástica, dos cosméticos, dos remédios, do fitness, da estética, estão no primeiro lugar do mundo em termos de consumo e acesso. 

O corpo para o brasileiro é um culto. Por que? Quais significados veicula?
No programa radio Parla com Deny dedicado ao tema fiz algumas reflexões e hipóteses que vocês podem escutar no podcast disponível no site da radio 103 FM. 

Entre essas tem a que o corpo se tornou um meio quase magico para alcançar o sucesso dentro um processo de uma redefinição das hierarquias sociais, aparentemente democrático, que o Brasil está vivendo ou pelo menos se contando. 

As pessoas, que historicamente, pela primeira vez, podem conquistar o seu próprio lugar de importância relevante na sociedade tentam alcançar essa conquista mostrado-se e reconhecendo-se por meio do corpo. 

Não é apenas uma questão de beleza. 

As pessoas procuram por meio do corpo um ideal de sucesso. Uma ilusão de conquista. 

O problema é que o padrão é em serie, moldado da industria da imagem e dos medias. Facebook e instagram fazem parte dessa industria. 

E tem mais um paradoxo: muitas pessoas se acham livres com si mesmas; autonomias e resolvidas graças aos estudos completados, ao trabalho que actuam, as coisas que compram ou as viagens que fazem. Se sentem únicas. E recorrem as cirurgias plásticas, ao botox, a procedimentos estéticos e ao fitness intenso para sentir-se bem e ainda melhor com si mesmas. 
Mas então, se essa busca de um corpo tão perfeito é para si mesmas, para se sentir únicas, por que todas vão atras dos mesmos padrões? Peitos grandes, bundas altas, barriga negativa, corpo sarado e musculoso, etc. conforme a um padrão em serie de corpo valioso?

O negocio não fica redondo. 
Como uma pessoa pode procurar alcançar a propria unicidade sendo igual a todas as outras? É um paradoxo. 

E mais. O que acontece, em termos psicológicos e de saúde, ou seja com si mesmos e com os outros, se estiver fora desse padrões? 
Se não alcançar ou conseguir ter um corpo competitivo no mercado da imagem? A pessoa, pelo menos, não se sente bem. Se sente excluída, desprezada, fora. 

Ou seja, ter um corpo-padrão, mesmo de plástica, se tornou uma OBRIGAÇÃO para a harmonia individual e a sobrevivência social, não mais (ou nunca foi) um plus pessoal. 

O corpo, portanto, vivido com essas lógicas, únicas no Brasil, não é mais uma função da personalidade mas uma verdadeira forma de identidade individual e nacional, sem a qual não tem lugar dentro o processo de democratização do Brasil. 

O corpo hoje em dia, aqui, é um verdadeiro TEMPLO, sagrado e sarado. 
Proibido, e talvez imoral, é estar fora desse processo de alcance do sucesso social por meio de um corpo feio. Ou seja, se tu não tiver um corpo bonito, perfeito, tónico, musculoso, etc. … tu estás fora … desse processo de conquista. 

De fato o Brasil é rico de diferenças e variedades e não tem, por razões históricas, um sentimento de unidade nacional nem sequer um protótipo do brasileiro. 
Porém, talvez, convergindo todos até um mesmo padrão de corpo homologado das industrias da imagem, mesmo que de plástica ou anabolizado, parece estar-se construindo o desenho do brasileiro de sucesso. 
Mas será que estamos falando de um verdadeiro sucesso? 
Inclusive porque se esse alcance do bem—estar por meio do alcance de um corpo top desse certo, não se explicaria porque temos o maior consumo do mundo de remédios antidepressivos e ansioliticos. 


Continuamos …. 

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