Insatisfação: por quê?


Há muito tempo que trabalho como psicólogo. Mais do que 15 anos. Especializei-me em diferentes linhas de trabalho e técnicas metodológicas porque, me parece óbvio, cada situação e problema tem que ter a sua resposta e solução específica. Cada pessoa é única. Cada realidade e sistema tem um desenho original, sem possibilidade de cópias. Porém, a base, o papel sobre o qual a obra de arte (o indivíduo, a pessoa, a família) pega forma, em determinadas fases, é a mesma para todos: se chama cultura. A cultura produz e reproduz linguagens, soluções, recursos, vínculos, limites e desafios através dos quais o indivíduo-sistema levanta o cômpito a existir. O mandato é sempre o mesmo: sobreviver, encontrar-se, reconhecer-se, ganhar o direito de amar e ser amado. Alguns a chamam de felicidade. Outros de graça. Poucos de paz.

Entender a cultura do tempo (o famoso Zeitgest, dos filósofos) é fundamental para ajudar as pessoas a existir, superando seus problemas e dificuldades. Ao mudar da cultura mudam os significados e por isso, mesmo os sintomas, superficialmente, parecem sempre os mesmos, mas precisam respostas diferentes. Que eficácia tem uma resposta velha a uma demanda nova?
Ou acham que questões como casamento, sexo, trabalho, desejo, separação, felicidade, autonomia, encontro, vazio, família, dinheiro e relacionamentos sejam hoje os mesmos desafios, os mesmos trabalhos, com os mesmos significados de uma vez?

Na minha vida de psicólogo clínico passei três fases e três culturas. Nos anos 1990, na frenética, reservada e desinibida Milão, referência produtiva da Europa, a dificuldade em existir pegava a forma de nevrose: a linguagem do mal-estar que tratava basicamente se manifestava em forma de transtornos de personalidade, bipolaridade, transtornos alimentares, drogas, fobias, exageros, etc. Nos anos 2000, na rica, eficiente, reprimida e repressora Suíça, o deságio a existir se exprimia em forma de psicose: depressão, alcoolismo, pânico, etc.

E aqui? Na nossa região? Uma terra de fronteira: fronteira entre outras nações, outras línguas, outra gente e outro Brasil; fronteira entre passado e futuro, pobreza e riqueza, vínculo e possibilidade, imagens e formas, famílias e indivíduos... Que forma pega a dificuldade em existir? Em encontrar-se? Em reconhecer-se? Em amar e amar-se? Como se manifesta?

Do meu ponto de vista a resposta é evidente. Essa forma é a Insatisfação. A matriz do mal-estar aqui é a insatisfação. 

E por quê? 

A diferença do passado hoje vem dada uma ilusória possibilidade (estudar, ter um carro, emancipar-se, ter autonomia, viajar, libertar-se, comprar, etc.). A possibilidade tem forma de oportunidade que logo se torna obrigação nas suas formas sociais de comparação e competição. E aí o curto-circuito. O querer tudo.

Veja só: como buscam a própria vida as pessoas? Como procuram encontrar-se? Ser felizes?  Ao mesmo tempo têm um trabalho e rastreiam outro. Sonham concursos para ganhar mais. Estudam algo para que não tenham paixão. Casam-se e conquistam amantes. Pretendem liberdade e fazem filhos. Acumulam amigos e reservam viagens. Comem tudo e fazem lipo; ou ficam com ciúme. Compram o que não serve e sofrem a solidão. Declamam o futuro e se fecham no passado, repropondo o conhecido, sofrendo os mesmos erros. Quanto ainda tem que correr para alcançar a vida lá na frente, antes de dar-se conta que a estão deixando para trás? Quanto ainda tem que sofrer antes de dar-se conta que se querem viver todas as vidas, acabam não vivendo nenhuma?


Quanto ainda precisará para as pessoas darem conta que o consultório é o lugar do encontro. Para encontrar a própria verdade, a própria coragem, o próprio limite. E assim libertar-se do medo que bloqueia o amor e construir-se lá fora, tornando-se arquitetos de si mesmos e de um mundo melhor. Quanto? 

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