Protestos, diálogo e regime
Uma das características peculiares e fundacionais dos
regimes é a falta de diálogo. Nos regimes não tem e não tem que ter diálogo.
Esta “conditio sine qua non” se obtém e mantem através de medidas, quais a
censura, repressão, perseguição, exclusão e assim por diante, sustentadas e
fortalecidas de dimensões de valor e emocionais, quais conformismo, medo e
moralismo.
Os regimes constituem-se de um dúplice eixo: tem um lado
social, que se manifesta em superfície nas organizações das dinâmicas de grupo,
e um lado mais profundo, individual, que se vivencia em termos de rigidez ou
abertura intelectual e/ou emocional.
Me pergunto: quanto o Brasil é um regime e quanto uma
democracia? Em que ponto do caminho dessa evolução estamos? Aliás, tem um
caminho? Por exemplo:
Lado social: os protestos dos caminheiros. As principais
reivindicações são econômicas. Os sindicatos e associações dizem que o aumento
no preço dos combustíveis reduz o frete, o valor pago aos caminhoneiros pelo
transporte de carga. Segundo a Confederação Nacional dos Transportadores
Autônomos (CNTA), os caminhoneiros pedem três "medidas emergenciais":
a diminuição do preço do óleo diesel, um subsídio para caminhoneiros autônomos
comprarem combustível e a renegociação de financiamento dos caminhões.
Sindicatos estaduais também pedem a criação de uma tabela única de preços do
frete. Reivindicam através do direito a greve, lembrando que é um conceito
diferente do de paralisação/manifestação segundo a Lei 7.783, Art. 2º
(considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva,
temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a
empregador).
Bom, o que aqui se destaca, referente à questão do diálogo e
dos regimes sociais, é que antes do que mesmo abrir uma mesa de discussão se
falou de Força Nacional. Uma medida que lembra as piores ditaturas. Óbvio que o
governador tem que defender os interesses do Estado (os prejuízos econômicos
desses protestos são enormes) e não deixar-se condicionar/influenciar das
questões partidárias, mas, destaco eu, sempre no respeito dos processos
institucionais e democráticos. Ou seja, antes do que encerrar um diálogo, tem
que abri-lo.
Lado individual: os regimes são sistemas fechados enquanto
as aberturas constituem ameaças. Ameaças ao que? Já fui excluído dos grupos e
ofendido por e-mail para o que escrevo. Não que as reações negativas não fazem
parte de um diálogo. Em cada assunto que sustento o meu foco é sobre os
conteúdos, algo de impessoal: me refiro a conceitos, ideias, comportamentos
objetivos. Sempre posso demonstrar o que escrevo com dados e referências.
Discordar das leituras ou das sistematizações faz parte do processo de troca,
ou seja, é diálogo. Mas o que sempre me chamou atenção é que bastantes reagem
veementemente, não ficando em um nível de argumentação conceptual, mas levando
a pessoal. Cada brecha a imagem de si acaba ser lida como uma ameaça mais do
que uma oportunidade. E a réplica é geralmente violenta, pessoal, física. Nem
contabilizo mais os “italiano de merda, o que está fazendo aqui, vai embora”
que recebi. Tudo bem... Faz parte do custo que se paga em ter a liberdade de
expor-se, algo que (justamente?) muitos fogem.
No meu blog Zona Franca me perguntei nesses dias sobre o que
baseia-se essa pressuposta moralização contra a corrupção (que aliás não é o
foco dos protestos, assim como não era nos do 2013), sendo que o Brasil tem uma
das maiores taxas de evasão fiscal do mundo e, ao mesmo tempo, uma radicada
cultura para-institucional de lógica de amizade. Lembrei daquela vinheta que
circula no Facebook: “quem quer mudanças? Quem quer mudar?”.
Por consequência, acabei recebendo ameaças contra a minha
vida. Me pergunto: quanto vale a pena dialogar? Talvez esta semana seja melhor
não escrever a coluna... Ou não?
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