50 tons de mulheres

Nos últimos 50 anos a mulher está sendo protagonista, às vezes ativa, às vezes passiva, de um processo, tão radical quanto dramático, de transformação da mesma representação de mulher, seja respeito aos valores, espelhos da própria identidade pessoal, seja respeito ao posicionamento de si mesma entre os desafios sociais. 
Esses aspetos são os que basicamente medem os comportamentos e as regras, explícitas e implícitas, de relação entre mulheres e homens em campos como família, trabalho, dinheiro e, obviamente, sexo. 


Por milhares de anos a mulher foi moldada pelo homem como produto doméstico finalizado à garantia da continuidade da linhagem e do patrimônio através do matrimônio: um artefato cultural e um dispositivo, isto de continuidade social chamado de família, fortalecido das forças convergentes do mercado e da Igreja Católica. Significa que a mulher aprendeu e se acostumou a determinar-se enquanto emanação do homem e, consequentemente, a não ter direito não simplesmente à vida pública e à autonomia, mas até mesmo a Deus (lembro que só com o concílio de Macon, em 1515, se decretou que a mulher tem alma: por um voto) e, sobretudo ao próprio corpo.  


A sexualidade é o campo onde esse domínio do masculino sobre o feminino chaga ser ao mesmo tempo clímax, consagração, catarse e reprodutor de status-quo. Nesse sentido, todas as conquistas das mulheres, como as de ser dona do próprio corpo, de ter direito ao prazer sexual e a escolha de gravidez, algo derivado da introdução da pílula contraceptiva e do dia seguinte, são relativamente recentes e, sem dúvidas, ainda não finalizadas. Por exemplo, é evidente como ainda a mulher busca um padrão de beleza finalizado à satisfação de um pré-constituído e conformado gosto masculino. 

A conquista, nesse caso, é o poder sobre o próprio corpo e não sobre a liberdade da finalidade. É o paradoxo da transição. A mulher está sendo livre de entregar-se ao couber masculino. Dá para dar-se conta de como ainda esteja de fato distante uma conquista plena de autorreferência e autogeneratividade, desvinculada dos condicionamentos sociais impostos a partir das reações emocionais e resistências que realidades e temas, quais aborto, adultério, contracepção, divórcio, masturbação, casamento, relações sexuais patrimoniais, matrimoniais, extramatrimoniais, homossexualidade, pornografia, etc., geram intimamente e socialmente, ou seja: desconforto, estigma, rejeição, tabu, conformismo e corporativismo. 

Até então estamos assistindo a provocações mais do que conquistas; maneirismos mais do que novidades. Por exemplo, as pressupostas perversões ou a alardeada liberdade sexual, implícita nas dinâmicas sadomasoquistas de 50 Tons de Cinza (na minha opinião uma obra-prima de banalidade e estereótipos), mais do que testemunhar uma etapa emancipativa feminina ou dos comportamentos sexuais, confirma uma dramática realidade moderna: a mulher aprendeu a construir uma representação de feminilidade, uma imagem e uma ideia de si mesma, a partir de um conceito de feminilidade desenvolvido e imposto pelos homens, para carimbar um conceito de masculinidade funcional às lógicas capitalistas, assim como os negros, por causa das repressões e da violência, tem introjetados dentro eles a imagem de um "eu branco", a partir do qual se espelham e reagem se posicionando no mundo e com si mesmos (mesmo principio psicológico que leva os filhos dos alcoólatras ou os que apanham a criar-se/crescer a partir da introjeção de um "eu sem valor"). 

Hoje, a “nova mulher” deslocou completamente “o homem” respeito ao seu mundo (do qual a mulher era um produto) e a mulher, de sua vez, acostumada a espelhar-se por ele, não se encontra também, sendo que o espelho está quebrado. Partindo dessa leitura, 50 Tons de Cinza sentencia a evidência de uma fase de crise, onde o homem tenta não perder o velho sistema patriarcal de domínio masculino sobre o feminino através de novas linguagens e a mulher tenta chegar a um novo sistema de equilíbrio do feminino com o masculino com linguagens velhas. 

Concluindo, sem dúvidas a mulher está tendo oportunidades de novas afirmações de si, mas 50 Tons de Cinza, assim como o uso tendencial das redes sociais, lojas de corpos virtuais, confirmam quanto seja complicado criar ou libertar um novo conceito de mulher e de sociedade e de como, ao contrário, seja mais fácil dar um novo aspecto ao velho, uma cirurgia plástica social, ou, ao pior, destruir-se através da ilusão moral de liberdade (sadomasoquismo). 50 Tons de Cinza é a confirmação patética-sexual que se está tentando mudar tudo para não mudar nada. Um verdadeiro desperdício. Sobretudo para e da mulher. 

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