Cesariana, por quê? Post debate Parla con Deny
O programa Parla con Deny da semana passada debateu a
surpreendente e preocupante tendência exclusivamente brasileira de recorrer à
cesariana ao invés do parto natural; atitude que a Organização Mundial da Saúde
(OMS) reprendeu formalmente, chamando-a de inaceitável, enquanto não conforme
os parâmetros de saúde e ética que o órgão supremo em gerenciar a saúde no
mundo recomenda (15%). No programa, sempre disponível no site do sistema 103,
várias foram as hipóteses e as trocas de ideias em busca de explicações por
essa marcante propensão cultural.
A médica Celina Poletto, por exemplo, atribuiu fator
prevalente à cultura social, ou seja, relata, seriam as mesmas mulheres que em
um processo, ainda em construção, de afirmação de si mesmas, aspirariam ser
donas do próprio corpo, tornando-se mães sem renunciar a nada, sem ter prejuízo
no trabalho, na libido perineal, na vida social, no corpo, e assim por diante,
e obviamente, evitando a dor. Pessoalmente a considero uma prospetiva exata,
inteligente e profunda, porém não exaustiva. Aliás, me preocupa um estilo de
maternidade baseado sobre esses princípios e pressupostos. De um ponto de vista
psicológico, tornar-se mãe é fundamentalmente aceitar previamente, ou seja,
colocar na conta, um trabalho de transformação de identidade total que tem que
basear-se sobre dois pilares imprescindíveis: a renúncia e doação de si. E isso
traz dor. É a mesma natureza que lembra pra nós que esse processo de
transformação se cumpre por meio da superação da dor. É a dor do parto. Quem
não está disposta a aceitar essa dor, ato físico e simbólico desse trabalho de
transformação, quem não está disposta a renunciar ao que era antes e a doar-se
a outra realidade, talvez teria que propender por outras formas de afirmação e
sucesso de si e da própria feminilidade. Ter um filho não é um truque para
redefinir o próprio status social, mas uma oportunidade e um perigo em mexer
com o próprio status de ser e equilíbrio. Come pode afirmar-se uma mulher que foge
desse complexo desafio através da cesariana?
Também, na linha explicativa que
seriam as mulheres que escolhem as responsáveis prevalentes dessa aberração
cultural do recurso à cesariana, se coloca a médica Rosane Wehissaimer, que
justamente destacou como são elas mesmas a escolher a cesariana, sem dúvida
influenciadas por toda uma série de mitos errados sobre o parto natural e das
pressões sociais e, em particular, familiares.
O médico Vagner, pragmaticamente,
integrou essa prospectiva explicando que, na sua opinião, a escassez de equipes
multidisciplinares, as infraestruturas limitadas e os baixos salários dos
médicos levam consequentemente e inevitavelmente os médicos na obrigação de
otimizar os recursos e as agendas deles concentrando em série os partos. Tudo
bem. Com certeza, são visões pontuais. Mas me pergunto: como se constroem os
mitos? Como se desconstroem? Quando e como as mulheres teriam que ser colocadas
na liberdade de dar-se conta das implicações negativas de uma cesariana e das
indiscutíveis vantagens do parto natural? Em que fase do pré-natal e por conta
de quem?
Será, como sustenta a médica Vanessa Klein, que os médicos não são
escutados pelas mulheres? E quem escutam? Será que escolheriam a cesariana se
soubessem que, por exemplo, além das complicações menores (dores crónicas na
zona onde foram feitas as incisões ou insensibilidade ao toque, que surgem em
10-20 por cento dos casos, mas que se não cicatrizarem corretamente podem
formar abcessos nos gânglios linfáticos), a cesariana acarreta um risco mais
alto para os bebês devido à possibilidade de contração de doenças quando
comparada com partos normais? Que os bebês nascidos por meio de cesariana são,
muitas vezes, prematuros, e em muitos casos também têm problemas respiratórios
(o fluxo de ar que entra e sai dos pulmões está obstruído, o volume dos pulmões
é reduzido, e não possuem a substância que reduz a tensão superficial dos
pulmões e os ajuda a respirar)?
Além disso, após a cesariana, são
estatisticamente maiores os problemas de amamentação, por causa do despreparo
da mãe à dor que a amamentação inevitavelmente induz, e que a mãe vivencia
desenvolvendo ansiedade e reações negativas em relação ao bebê; enfim, os
prazos de recuperação para a mulher e o seu corpo são mais devagar e após a
primeira cesariana vem prejudicada a naturalidade reprodutiva de um parto
natural sucessivo de 20%; após duas cesarianas, de 100%. E mais uma cesariana é
frequentemente seguida por frequentes hospitalizações depois do parto,
infertilidade e laceração do útero no próximo parto.
Não temos que esquecer que
também a porcentagem de abortos espontâneos e mortos em feto é, no Brasil,
proporcionalmente entre as maiores do mundo. Por essas e outras várias razões é
sempre melhor que o parto seja natural e não é por acaso que a OMS considera a
cesariana como uma medida emergencial quando é a única possibilidade de salvar
a vida da mãe e do seu filho.
Visto assim, dá pra entender porque, aos olhos do
mundo, parece muito "preocupante" que no Sul do Brasil 84% das grávidas
que caem no sistema de saúde privado sejam com risco de vida.
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