Nos somos os Foppa

Eeu souu Antonino. Eu sou Daniel. Eu sou Maaaarcelo. Aposto que em ler esta frase para todos se abriu uma imagem, e automaticamente, também, muitos a acompanharam com uma particular entonação. E como que não? Impossível não reconhecer do que ou de quem estamos falando.

Mas cuidado, se vocês acham que seja apenas uma simples propaganda, estão errados.

De fato, nos somos os Foppa, é um ótimo manifesto cultural que revela características, valores, linguagens, desafios e soluções de uma realidade particular e especifica (a região de SMO); um valido case-history para o que as habilidades de leitura deveriam ser ensinadas necessariamente nas boas universidades, naquelas envolvidas concretamente em preparar os filhos a lidar com o mundo e não apenas atentas a si mesmas.

Em outras palavras, o produto linguístico-cultural “nos somos os Foppa”, é um espelho desta sociedade. Mas como assim? E o que é que reflete e mostra pra nos esse espelho?

Por exemplo, que os três protagonistas, na oferta de um serviço, não se limitam em marcar o aspeto “pessoa”, destacando enfaticamente nome e sobrenome (a família), apresentando-se como familiares, amigos, vizinhos de casa (abordagem diferente, na hipótese, daquele que poderia ter tido desenvolvido focando no profissional: currículo, anos de serviço, etc.), mas os três de SMO fazem algo a mais: colocam a cara deles. "Essa é a gente"; "Vocês podem nos considerar de amigos"; "Nos mesmos respondemos do que fazemos"; “Estamos aqui! Não fugimos. Não sumimos”; Em outras palavras: "Confira”!

Do ponto de vista psicossocial, de fato, o Manifesto-Foppa vislumbra pelo menos dois traços culturais específicos daqui: 1) a desconfiança e 2) o valor da imagem, onde, provavelmente, o segundo evolui como solução do primeiro para depois absumir significados autônomos.

Mas de qualquer forma, os dois pontos são importantíssimos a serem entendidos para entender-se; obviamente exigiriam aprofundamentos criteriosos, talvez com palestras e cursos que aqui não tem, mesmo assim introduzimos o primeiro somente para ter uma ideia: do que tem origine a desconfiança? Porque aqui é tão forte? De um lado, do ponto de vista antropológico e econômico, pode ter a ver com a dureza da vida agrícola, com os desafios da natureza, a escassez de riquezas, satisfações e contatos, de uma economia a soma zero, ou seja, uma economia onde não há produção exponencial mas distribuição (a produção tem um teto limite que não sobe nem aumentando o trabalho ou os trabalhadores; o bolo é aquele aí determinado): por exemplo, mesmo mais pessoas trabalhassem a roça, a terra não poderia produzir mais do que produz; o campo segue as leis da natureza não do mercado.
Consegue que na distribuição, se alguém tem mais, o outro necessariamente tem que ter menos, então consegue a desigualdade. A desigualdade cria seja raiva pelo sentimento de injustiça, seja necessidades a serem superadas somente fechando os corações, competindo ou agredindo o próprio próximo, esquecendo-o enquanto ser humano ou irmão enquanto visto como hostil. 

Por isso o outro se torna, em termos psicológicos e sociais, uma ameaça enquanto pode te assaltar, invadir, roubar a propriedade, o passado, o próprio lugar, a segurança, sendo que cada um bem sabe que, se necessário, para sobreviver, faria o mesmo. “Minha vida, sua morte”. O outro lado da desconfiança é de fato a capacidade de "passar a perna" (assim como, de forma mais leve, a mesma capacidade se encontra no jeitinho brasileiro), ou seja, “qualquer coisa desde que posso ter vantagem, sobretudo se, a seguir, não tem que responder aos outros".
Sem esquecer que a fortificar essa característica tendência a desconfiança o Brasil sofreu dois "rasgos históricos" poderosíssimos: a colonização e a ditadura: verdadeiros assaltos ao sentido de arbitrariedade e responsabilidade de si mesmos.

Mas onde nos podemos nos dar conta disso? Que comportamentos comuns o hábitos do dia a dia o confirmam? Aqui são muitos, além do recurso a imagem! O ciúme, por exemplo: o medo constante de que alguém vai roubar a mulher, a propriedade, o respeito, o seu lugar na sociedade, o direito a respeitabilidade nela, ou seja, a própria imagem de si (bem o outro ponto que o manifesto-foppa permite de nos aprender), com si mesmo e com os outros porque se os outros podem ser ameaças pra si,  cada um pode sê-lo para os outros ...
então para sobreviver é necessária uma ordem social baseada sobre a concessão do reconhecimento pessoal (da imagem), do direito a pertencer (a respeitabilidade) e controlada por meio da credibilidade (as fofocas). Chegar ao ponto de perder tudo isso... é o fim (não existe alternativa em uma economia a soma zero) e daqui o padrão de que quando e se se perde algo, qualquer coisa, a responsabilidade não é própria mas a culpa é de alguém outro (o ladrão, o vagabundo, o amante, o estrangeiro, o politico ... etc.). Até mesmo o sistema de justiça é ontologicamente baseado no suspeito: todo mundo é culpado até que se prove a inocência. Os policiais podem te dar uma multa sem nem te mandar a parar, só de longe, assim como todo o mundo pode te denunciar para o que quer; todo o mundo está de olho pronto a te ____  (cada um coloque a palavra que prefere): depois é com você demonstrar a sua inocência.

A imagem, bem para dar resposta a todas essas questões, torna a ser um pedido do direito de pertencer a uma realidade (sociedade) baseado sobre o reconhecimento da pessoa e do fato que não constitui ameaça para a propriedade (física e simbólica) dos outros. Não só uma questão de aparência. Torna a ser necessária para ter lugar. Uma necessidade tão profunda que chega a espalhar-se e evoluir-se (as vezes degenerando) independentemente em outros sentidos: declarações por meio de fotos nos jornais para cada evento familiar (aniversario, recorrência, bebé, formatura, etc.), fotos nos objetos a distribuir como presente ou lembrança por varias ocasiões (copos, maquetes, carões da visitas, etc.), fotos no later dos carros para propaganda, etc. É só passear na cidade para ficar mergulhados em um bacanal de imagens de pessoas (não palavras, não escritas, não logos ... mas imagens de pessoas: os conhecidos!).


Resumindo, o medo do outro desencadeia a necessidade do direito ao reconhecimento em pertencer a uma realidade/sociedade por meio do reconhecimento da própria imagem, da própria cara. Tudo isso, em primeiro lugar, serve para se proteger, para segurar a própria sobrevivência e segurar-se das ameaças dos outros. Segurar e segurar-se. Nos somos os ...: bem isso!

Comentários

  1. Gente, convido em ler muito bem essa coluna ... sobretudo para quem acha que estou falando dos Foppa ou da atividade deles (ou que me para na rua me dizendo: "li que tu falou dos Foppa"...ou "te pagaram para falar deles?").

    Claro cada um pode ler, ver ou interpretar ou que quer ou que consegue (eu sou responsável do que escrevo, não do que os outros entendem)

    Por exemplo, vamos traduzir o que escrevi em uma operação algébrica bem simplesinha..
    Eu escrevi:

    1. aqui a desconfiança chega a ser um traço cultural (geral, comum - com o que, de qualquer forma, todos tem que ter a ver);
    2. quem é desconfiado é desconfiado (ou ciumento, controlador, etc.-derivados da desconfiança) porque bem sabe dentro de si que ele mesmo teria capacidade de passar a perna (ou seja prejudicar alguém para ter uma vantagem pra si) aos outros - a gente enxerga nos outros o que tem dentro de si;
    3. se experimenta desconfiança porque o outro pode ser uma ameaça e tirar o que um tem;
    4. ninguém pode se permitir de ser considerado uma ameaça para os outros (não seria possível sobreviver desse jeito);
    5. para não ser considerado uma ameaça tem que ser conhecido, ou seja alguém tem que dar uma garantia sobre você (por isso ficam tantos grupos fechados ou pseudo abertos ... turminhas de amigos, associações, militares, lions, rotary, massonaria, etc etc.);
    6. a necessidade de ser conhecido leva a botar a cara em qualquer lugar (da propaganda as fotos nos jornais a propaganda até botar a cara nos presentinhos de cerimonia, batismo, formatura, etc. a entregar)
    7. isso desencadeia um uso/culto da imagem que evolui em si mesmo chegando ao ponto de ser exagerado ... (e que com certeza trataremos em futuro falando de corpo, plastica ou selfies no facebook)

    então gente .... cada um pode fazer 1+2+3+4+5+6+7=_____
    e resolver como pode ... mas com certeza o resultado não pode ser resumido em "o deny falou dos foppa".... ainda com mais certeza ... essa não é uma critica mas uma leitura psico social de uma realidade....que cada um de nos constrói no dia a dia, dia apos dia ...

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  2. Realmente Deny, descobri seu blog à poucos dias e confesso ter feito uma "leitura de correr de olhos" naquele primeiro momento, e como típico residente e domiciliado na região oeste catarinense, conclui precipitadamente ser este mais daqueles blogs "críticos-por-gostar-de-criticar-nossa-cultura". Hoje, ao ler este post caiu por terra meu preconceito, bem como caiu e assentou perfeitamente o "chapéu dos Foppa" por sobre minha cabeça... em segundos lembrei-me que já fui convidado para formatura do Fulano, do Ciclano, do Beltrano e não para uma formatura de Direito, Medicina e Engenharia... ainda que tenham sido estas as formaturas em que fui, e hoje tenho em casa lembranças dos formandos e não da formatura; Por jamais ter conhecido outra realidade que não a daqui, nunca sequer pensei muito a respeito da supervalorização da imagem. Ainda estupefato pelas colocações sei que preciso ler pelo menos mais uma vez o post. Ah, sim, quanto a questão da desconfiança e da incapacidade de ser honesto, bem sei que é frequente e recorrente entre nós. É fácil agora somar minha segunda conclusão à primeira... só não sei se me somaria dizer quem sou.
    Mais importante que a forma é o conteúdo!
    Engraçado pensar que estou com medo que não ter interpretado corretamente o que li, mas, mais engraçado ainda é que esse meu medo me parece ser exatamente o que o Deny descreveu.
    Bom, certo ou errado, meu nome é Junior ____ (preencha como quiser, inclusive Foppa).

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    Respostas
    1. Junior obrigado pelas suas palavras e sobretudo pela sensibilidade em ler de maneira honesta, corajosa e (auto)critica com que se coloca na janela e no espelho dessa "nossa" cultura.
      Sim, nas minhas intenção não fica nem um acento de "critica" (acho que os brasileiros mesmo são mestres em criticar si mesmos ... nunca entendi porque gostam tanto de fazer isso ... acho que é uma necessidade de identificação dissociativa ... "se eu critico a mesma coisa que eu sou ... então sou diferente e por isso não preciso mudar ...") nem de julgamento (não faz parte da minha natureza ... se não nem poderia ser psicologo); Pra mim é importante entender e colocar os outras na oportunidade de entender... deixando cada um de ser livre de fazer o que quer com o que conhece ou não.
      enfim concordo contigo ... é dificil de dentro entender as coisas que são naturais ... como pode um peixe reconhecer-se molhado se cresceu na água e se nunca ficou seco na praia ...
      por isso acredito no valor da "comunicação.
      er fico feliz de ter encontrado um novo interlocutor com quem trocar ideias. obrigado Junior
      abraço

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