Carnaval russo, só que não
Em resposta à minha pergunta
"o que fizeram no carnaval?", os meus amigos europeus me responderam
a mesma coisa: "Carnaval? Tá louco? E a Crimeia?”
De fato, o que está acontecendo
na Ucrânia é um dos eventos históricos potencialmente mais críticos para o
equilíbrio geopolítico do mundo desde a época de Brezhnev e da crise dos
mísseis cubanos.
As consequências podem ser
dramáticas, para todos, incluindo o Brasil.
Recapitulo brevemente. A
Ucrânia, país estrategicamente fundamental por ser no meio dos blocos geográficos,
ideológicos e econômicos oriente-ocidente e pela distribuição mundial da energia
(nuclear e gás), sempre foi um país dividido de um ponto étnico e eleitoral:
uma parte nacionalista, fio-europeia, da língua ucraniana e a outra de língua, descendência
e tradição russa. Em 2010 Yanukovych, após ter sido rejeitado pela Revolução
Laranja de 2004 (ou seja, vastos protestos pacíficos que o acusavam de fraude
eleitoral e corrupção) voltou a presidência com uma política ambígua: de fato
de um lado piscou ao mercado livre europeu, beneficiando assim as grandes
famílias da burguesia e da máfia ucraniana, e de outro prometendo fidelidade a
Moscou, de fato entregando o controle energético (Gazprom) e militar (Crimeia).
Obviamente, nenhuma das duas linhas favorecia o povo e isto gerou uma tensão
crescente até que no fim do 2013 Yanukovych não assinou o Acordo de Parceria
Económica com a EU, recebendo em troca 15 bilhões da Rússia (de propina). A
partir deste momento os protestos estouraram, crescendo até organizar-se em
guerrilhas de matriz fio-nazista disfarçadas de liberalismo. E aqui a Rússia de
Putin, aproveitando a confusão, fez algo que chocou o mundo: tomou o controle
da Criméia, invadindo de fato um estado de soberania nacional, sob o desculpa
da libertação irredentista. Daqui se desencadeou um roteiro de guerra
anacrónica (retirada dos embaixadores; ameaças do G8; observação diplomática
dos EUA; proclamações absolutistas e oligárquicas; fechamento do espaço aéreo;
retirada de documentos; construção de trincheiras; ocupação dos pontos
simbólicos e logísticos; esquadrilhas da morte; censura ao jornalistas, etc.)
até o ponto de forçar o presidente a fugir e libertar a Timoshenko (a líder
laranja presa após os protestos).
Tudo o que está acontecendo, de
fato, é uma ameaça de guerra “velho padrão”, por falimento das regras
econômicas ou diplomáticas, e de revolução global energética.
Agora, se colocamos o foco em
que: a Ucrânia passa 11% de toda a oferta mundial de petróleo e 19% do gás; a
bolsa russa está em colapso; a Europa é o primeiro cliente da energia e por
isso não pode tronar-se inimigo além de um ponto certo; o crescimento do BRICS
este ano freio; o Brasil se encostou em 2013 aos países comunistas e mesmo
tendo as maiores reservas naturais do mundo, vendeu a concessão delas; em 2020
os EUA vão superar a Arábia por produção de petróleo, a Rússia para o gás
(2015) e ter a independência energética (2030), o que pode acontecer no cenário
mundial por causa disso, se não se redimensionar, é algo de tragicamente
inconcebível. Claro, nenhum país teria teoricamente interesse para um colapso
total mas, infelizmente, a história não nos ensina isso.
Mas voltando ao começo ... ao
"tá louco, aqui está a Criméia" dos amigos, eu candidamente respondi:
"Sinto muito, é que aqui os jornais não têm a página de notícias
internacionais. O “exterior” é a casa do vizinho. Mas espera aí...vocês não
amam tanto a capacidade do brasileiro de ser feliz? Então a alegria também tem
um custo, que se paga fechando os olhos”.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140303_ucrania_poder_militar_rb.shtml?ocid=socialflow_gplus
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