O meu amigo politico

Já quando morava na Itália, e o Brasil para mim não era mais do que um mundo distante entre os muitos do globo, de fato já tinha lido vários de livros de Paulo Coelho. De um que gostei. Os restos por nada. Me pareciam um blefe. Perguntava-me como era possível gostar (e comprar) de alguém falando exclusivamente de si mesmo, simplesmente descrevendo o que estava fazendo no dia a dia ou fez no seu passado, acompanhando-o com o fluxo de seus pensamentos. Claro, o sabia fazer bem. Escrita fluida, rápida, cativante. Mas de fato um simples exercício retórico de matriz mística. Um registro estilístico arranjado para deixar a sensação do prazer da beleza mas sem a oblação da substância. Em palavras simples, escrevia muito bem, mas sem dizer nada.
Uma escrita mais arranjada para cativar do ponto de vista emocional, criar laços pessoais com o leitor e assim vender (se). Ausentes injustificados a profundidade de conteúdo e originalidade das ideias, ou seja, a arte da literatura. Ao final das contas, o Coelho me aborrecia. A sensação era de ser zombado.

Mas quando vim morar, percebi que essa atitude em focar-se prevalentemente nos laços pessoais não é somente uma característica individual do escritor, mas um traço cultural geral. Uma solução evolutiva ao desafio da sobrevivência em um Brasil aparentemente Gigante, mas de fato declinados em realidades locais, autônomas (e isoladas) e autárquicas (cada uma pra si, com um Estado longe ou ausente).  Uma linguagem comum que tem aproveitamento em vários campos.

Por exemplo, no comercio: Lembro de uma vez que procurando uma chácara o dono da imobiliária me atendeu falando-me 45 minutos dele, de quando chegou na cidade, de como ganhou a confiança dos outros e da lista dos seus clientes/amigos. Educadamente respondi que estava procurando uma terra e não um flerte e que a teria comprada de qualquer um que a tivesse me oferecida com aquelas características. Veja só, eu queria comprar uma coisa e ele me estava vendendo uma pessoa. Entendi só depois que isto é o princípio sobre o que se baseia o comercio local. Não teria outro sentido lógico, se não fosse assim, para existência de diferentes atividades  vendendo o mesmo produto as mesmas condições. Mais do que o produto, se escolhe a pessoa. Mercado livre, não. Corporativismo, sim.
Claro, se poderia argumentar que é apenas uma forma entre outras para se der uma ordem social. Mas chega um ponto em que o valor do vínculo pessoal (e o seu jeito de comunicar-se) chega a ser uma desvantagem mais do que uma vantagem.

Na (comunicação) política, por exemplo.
Desde que cheguei aqui tenho ouvido muitos discursos públicos (de políticos e também de palestrantes). Alguns, especialmente de políticos de caradura estadual ou federal, muito bons: estruturados, argumentados, populistas, etc. No final, com todas as armadilhas de um bom discurso. Independentemente do conteúdo.

Mas a maioria repropondo o esquema descrito acima: comunicação em estilo-Coelho e “comércio” de si em estilo associativo local. Discursos cheios de histórias pessoais e anedotas de si mesmos finalizados a propor/vender laços de amizade através de processos de identificação, admiração ou esperança (De vantagens? Negócios? Sei lá). 
Mas, me pergunto como isso pode valer? O que importa escutar do fluxo das experiências subjetivas e pessoais de um político? 
Enquanto cidadão me importa com o que está fazendo e o que pretende fazer de forma coerente com o programa eleitoral para o que foi votado. E, em um discurso público, entre os parabéns e os melhores desejos para todo o mundo, um político tem sempre que me informar disso. 
E é um seu dever a cumprir e não um favor a ser concedido. Enquanto funcionário público (o que se aplica a qualquer servidor público: do policial ao professor, do médico do SUS ao limpador de rua) está trabalhando para algo superior de uma simples pessoa: está trabalhando, pago por os impostos, para a coletividade; a “res-publica”, “a coisa publica”, que inclui cada um, independentemente do fato que pensa diferentemente de mim ou dos vínculos de amizade. E em um discurso publico tem que (me) dar conta disso.

Por isso não quero um amigo como político. Porque se é capaz de trabalhar para mim, enquanto meu amigo, então significa que seria capaz de trabalhar contra de mim se eu fosse seu inimigo. Mas ao que leva isso? A justificativa para as contraposições de facções? Ao medo de ter prejuízos​​ no trabalho, na burocracia, nas aplicações das leis, dependente do caso? A chantagem do consenso ou da exclusão?

Não, obrigado. Se é assim,  não quero um amigo para administrar a coisa (e a casa) pública.

O que quero é um funcionário que respeite os princípios da sua função de forma transparente e igualitária, cumprindo algo superior de ele mesmo, a partir da comunicação, informando-me do que faz não me falando de quem é.







Em definitiva, eu nunca votaria Paulo Coelho. E você?

Comentários

  1. Deny, vc ja leu o livro O Homem Cordial (Sergio Buarque de Holanda)? Ele demonstra as raízes de pensamento da cultura local, e a mistura entre o público e o privado, onde nesse imaginário arraigado nos brasileiros comuns, os políticos e outras entidades públicas se baseiam para obter a atenção manter seus currais eleitorais.
    Rod Raiher

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    Respostas
    1. Não Rod, não li. Vai ser com certeza o próximo então. parece muito bom. obrigado pela sugestão preciosa.

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  2. show! este livro é um clássico da antropologia brasileira, e li na faculdade de ciencias sociais, aqui no Rio. ja faz um tempinho, mas acredito que as bases ainda não mudaram muito, pois a maioria dos problemas ainda continua, são culturais e arraigados. mas acho que deve ter melhorado um pouco, por conta da internet e da globalização dos meios de comunicação, como vc mesmo disse no FB. Abs!! Rod

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