SE DEUS QUISER
As palavras expressam muito mais do que dizem. E nestes dias de
muitas reuniões recorre assiduamente um jeito de dizer que chama fortemente a
minha atenção, mesmo porque, enquanto profissional do "ser humano",
sempre tinha paixão para as religiões e, por isso, fiz 5 anos de teologia na
Universidade Católica de Milão. Então, perto do Natal, acho que vale a pena
gastar uma reflexão sobre o: “Se Deus quiser"!
Do ponto de vista cultural, o “se Deus quiser” parece uma posição
clara na disputa teológica milenária entre predestinação, livre arbítrio e
responsabilidade do homem, cumprida com si mesmo e os outros. Em particular
parece apoiar a visão iper-calvinista de um mundo já totalmente alocado por
vontade de Deus. Dele dependeria totalmente tudo o que acontece: um destino
abrangido entre fatalismo e predeterminação. Uma abordagem a vida
deindividualizante e deresponsabilizante; "visão cultural" que aqui
parece ser ratificada por outras gírias recorrentes, tais como "pois é” e
“fazer o que?” quando legitimam resignação respeito a uma realidade
independente ou superior à vontade e determinação do próprio indivíduo. Até
mesmo as políticas de assistência social avigoram isso baseando-se
metodologicamente sobre o funcionalismo de P. Freire (PNAS) que basicamente
sustenta que os cidadãos tem direitos aos deles e o Estado a tarefa de garantir
a cada um o seu lugar. "O seu lugar"!?!
E o livre arbítrio? Onde está a (sua) quota de responsabilidade?
Fiquei “deslocado” em ouvir um nosso político anunciar: "graças a Deus
estamos bem; não temos nada mais a querer. Tomara que tudo continue assim. Se
Deus quiser”.
Nossa, mas então, está fazendo o que? Trabalhando para o que? Um
político nunca deveria pensar em si mesmo e nunca se sentir satisfeito, porque
o seu trabalho é tomar medidas para melhorar a condição das pessoas e da
sociedade. E há sempre alguma coisa para fazer neste sentido.
Que seja claro. A Bíblia está cheia de versos que dizem que Deus é
soberano e que nos deu tudo o que existe; que já predestinou aqueles a salvar e
quem não. Esta é uma verdade bíblica. Assim como a é o seu oposto: “quem se
arrepende e crê será salvo, volte para mim e eu tornarei para vós”.
Em termos teológicos se chama de antinomia, ou seja, duas verdades
aparentemente contraditórias - assim como a natureza de Jesus (Homem ou Deus?
Deus pode morrer na cruz?) e a doutrina da Trindade ( Deus é um mas mesmo Jesus
é Deus e o Espirito Santo é Deus) debatidas há 2000 anos sem solução. Ou melhor
com soluções diferentes: calvinismo e igreja evangélica de um lado fundam-se no
soberania dominante de Deus; protestantismo e arminianismo do outro, no
livre arbítrio em como seguir ou não a palavra.
Mas nenhuma dessas é uma verdade absoluta, sendo-as as duas.
O ponto é que a soberania de Deus e o livre-arbítrio são como duas
trilhas paralelas: nunca se encontram. Ou melhor. O fazem sim. Mas mudando de
referência: em uma esfera (passando da um plano cartesiano a um
não euclídeo) assim como ai no horizonte, apôs a morte: algo além da
compreensão.
E a nossa vida é um trem que viaja apoiando-se sobre duas trilhas.
Os cidadãos são ao mesmo tempo motoristas e passageiros. Cabe a cada um de nós
escolher a direção e guiar com a responsabilidade civil, cultura do serviço e
respeito pelos outros, porque disso, essencialmente, depende a comunidade que a
gente construí e vive no dia a dia, claro, mesmo em nome de Deus.
Então ao lado de um “se Deus quiser” seria bom acompanhar um
"se eu quiser” para que todos possam assumir a responsabilidade de fazer
algo mais para si mesmos, os outros e a comunidade. Feliz Natal, se dEUs
quiser.
Comentários
Postar um comentário