E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE ... (OU NÃO?)

Você não mudou. Te deixo!” / “Você mudou. Te deixo!” ....

Amar-se não é suficiente para continuar a ficar juntos. Não é mesmo passar a vida inteira lado a lado, enfrentando e superando os principais desafios e as incertezas do amanhã e as pequenas dificuldades e inseguranças do dia a dia.
Não o é construir uma própria casa: um espaço físico que recebe e protege; um espelho íntimo, que reconhece e define. Nem é suficiente, como era uma vez, hipotecar a continuidade, colocando no mundo um filho. Não hoje. Não mais. 

Porque? O que mudou? Acontece que, hoje, diferentemente do que no passado, o mundo oferece todo um bacanal deslumbrante de possibilidades a serem urgentemente aproveitadas: “coisas”, identidades e destinos (assuntos que, as vezes, fundam-se e confundam-se uns com os outros). 
O mesmo conceito de possibilidade torna-se um valor (O "Yes We Can "de Obama) que vai bem além das aberturas ao desenvolvimento econômico e cultural (negócios e estudos; compras e viagens); a ideia do “que é possível” (do que “você pode”) não fica apenas fora, na praça, mas entra dentro, na casa, na pele, penetrando e revolucionando a própria mesma maneira de ser até quebrar profundamente o padrão de relacionamento com si mesmo, com os outros e com o mundo conhecido. Tudo hoje parece possível: ser grande mesmo de imaturo; crescer sem envelhecer; comer sem engordar, etc. Tudo: sem limites ou consequências. Uma oferta que não se pode perder. A ideia de que tudo é possível, traduz-se assim rapidamente e prepotentemente na ideia de ter direito dever de mudar: a oportunidade para algo a mais transforma-se na obrigação de precisar de algo diferente.


Tudo isso non casal prende a forma de uma necessidade e de um pedido de mudança, mesmo quando não se sabe ou não se entende o que tem que ser mudado, o que está errado e por quê. É uma necessidade em si mesma, independentemente das razões ou das finalidades. É a miragem de algo diferente. Não de alguém diferente.
Não é uma loucura. É um traço cultural e uma característica semiótica dessa nossa época. Não pode ser denegada.

Mas claro, infelizmente não é tão fácil dar-se conta disso. Quem conseguiu crescer, seguindo e cumprindo as guias da tradição, da família, incorporando conquistas, sucessos e pessoas em seus esquemas, é geralmente resistente à mudança, a ponto de ter dificuldades em reconhecer o sentimento e a legitimidade do pedido. Para essas pessoas, mudar sem ter sentido é quebrar sem razão. Aquelas, contrariamente, que já cresceram aceitando-as (p.e. trocando ou deixando os próprios ambientes para seguir ou apoiar a profissão do parceiro ou renunciar a um sonho/destino pessoal em função de um esquema já homologado, conformado ou para cumprir os pedidos de família, etc.) podem ter próprio hoje, hoje mais do que nunca, a necessidade de continuar variando para não se sentir sufocadas.

Esse é o ponto em que o casal pode se perder. Mesmo que o amor não se perde, o casal se disperde. Acontece quando a mercê da confusão e violência de um jogo de espelhos, de demandas e decepções, de ataques e negações, projeções e fugas, não reconhece-se como necessária e profunda o apelo de um e como característica enraizada e indispensável para sobrevivência de si, o rebate do outro. Para amar-se não é suficiente encontrar-se uma vez mas continuar a fazê-lo, sem nunca deixar de procurar-se. Duas falhas de reconhecimento individual acabam por ser utilizadas como armas de mútuo desgaste, embora ambos se consideram vítimas. 
Então o que fazer?

Obviamente ZF não é o espaço certo onde fazer o meu trabalho de psicólogo de casal mas deixe-me lhes contar uma história pessoal.

Há alguns dias, temos em casa uma gata. Eu não sei se ela é resistente a mudar ou não. De fato, desde que entrou em casa, começou a tomar posse dos novos espaços e ritmos. No decorrer desta pesquisa acabou a caminhar no parapeito do lado de fora da janela, tão estreita que não tive como se virar e voltar até dentro. Tinha que pular-se até chegar na sacada do vizinho pra resolver a situação. A minha companha se assustou muito: tinha medo que caísse, morresse; medo de perdê-la. Então fechou a janela e me proibiu de deixá-la aberta. Daquele momento a gata tornou-se desagradável; miando, fugindo e recusando carinhos: sempre de olho a janela, como se fosse a porta de liberdade. O clima tornou-se pesado. O relacionamento com o bicho péssimo. Tinha que fazer algo. As coisas não teriam voltadas como antes deixando tudo assim, sem fazer nada. Esperar o que? Então forcei e abri a janela: 

" Você não pode impedir a um gato a andar sobre o parapeito; não tem direito, de impor a sua natureza para quem tem uma outra, mesmo se acha seja por amor, mesmo se tem medo. Deixá-la entender e decidir o quer. Por meio do seu medo que ela morra, de perde-la, está impedindo pra ela de viver. " 

Enfim, a gata saiu: uma vez, duas vezes. Percebeu que não poderia voltar. Não era o que queria. Agora a janela fica sempre aberta. Mas a gata gasta seu tempo deitada no nosso colo.

Comentários

  1. Prezado Deny, fostes muito feliz com a escolha desse episódio cotidiano, particularmente, me serviu ... eu deixei a janela aberta e o "bichinho" foi... mas contrariamente ao seu relato, eu fiquei ... sem me sentir confortável !

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  2. Prezado Anônimo, é importante abrir a janela exatamente quando o "bichinho" faz o pedido ... que até aquele momento é um pedido de desejo, de curiosidade, de exploração, de movimento mas ainda um pedido de comparticipação, confiança, reconhecimento de e com o parceiro. Se a janela fica fechada por um tempo apos o pedido a "janela" muda de significado e passa de "casa" a "cadeia" e aumentam decepções e raiva..... depois disso, obvio que quando o bicho consegue quebrar as barras e sair, pode não querer voltar pra trás porque vai achar que ele (o bicho) conseguiu sair sozinho, sem ajuda ou parceria. Geralmente somente nesse momento o parceiro se dá conta de ter tido nas suas mãos as chaves que o tornavam guarda no entendimento do bicho, mesmo que não foi por maldade. Escutar em tempo certo é fundamental.

    Enfim, a historia pode ser lida para destacar (e aprender) duas coisas:

    1) é importante saber ler os "pedidos" e "as comunicações" ao vivo ... sabendo atribuir e reconhecer o significado das coisas quando são expressadas, as vezes alem de si mesmos ... e quando não se conhece o idioma porque o "pedido" parece não ter sentido ... pedir a ajuda de quem pode traduzi-lo pra ti ... se não se perde o "reconhecimento" e se paga/desconta sobre a própria pele.

    2) se se chega ao ponto em que o bicho não volta ... bem, que graça teria segurar perto de si um bicho que não quer ficar? Que amor seria? .. ter a capacidade de deixar ir (em todos os sentidos) é bom também para si mesmos. é uma questão de verdade com o mundo ao redor e com o mundo dentro de si. O amor nunca tem que ser constringidor. Ninguém merece.

    Melhor aprender da vida para crescer visualizando as próprias responsabilidades assim como as necessidades para viver ainda melhor.
    Os bichinhos não são todos iguais ... os gatos tem uma atitude, os cachorros outra, os peixes ainda outra e assim por diante ... cada um o seu bicho .. mas para fazer a escolha certa é necessário conhecer-se e aceitar que uma escolha (e uma conquista) não tem que ser feita apenas uma vez mas varias vezes continuamente ... mesmo que seja a mesma.

    Valoriza e usa essa sua dor, querido anonimo, como terra para plantar flores ainda mais coloridas.
    abraço

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    1. Deny, aquela janela tinha uma cortina ... que lentamente, muito lentamente, vai se abrindo e possibilitando uma visão ampliada e ao mesmo tempo distante... o suficiente para constatar o que tem de mais significativo, de mais importante na história, tal como me aconteceu novamente agora, ao ler teu comentário. Obrigada e boa semana!

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