A RELIGIAO DO FUTEBOL
Geralmente sustento que para ter uma ideia de um povo é suficiente prestar atenção a três suas expressões: a) A arquitetura b) O jeito de dirigir c) O futebol.
Exemplos?
A Alemanha: terra fria; de mineras e guerras. A gramática de sua língua é
rigidamente estruturada. Seu jogo eficiente, organizado e poderoso exatamente
como os carros que produzem. No final, sempre chegam ao fim. A Itália? Terra de
invasões, poetas e marinheiros. A sua semântica é rica e flexível. Arte e
criatividade. O jogo? Todos fechados na defesa (os carcamanos) esperando o
golpe de gênio mas sem ser capaz de finalizar (perde-se nos pênaltis).
Enquanto psicólogo é um grande privilégio poder jogar
aqui. Do campo se podem ver aspectos do “brasileiro” que nos livros não se
podem ler.
Para o
brasileiro destaca-se, nesse caso, sua relação com o tempo e com o prazer.
Para o
ocidental, cristão, pós-iluminista, de fato, o presente é uma junção entre
passado e futuro, balanços e objetivos. Por isso é cargo de tensão. Aqui, ao
invés, parece ter um fim em si mesmo. Será
a herança da colonização, cuja cicatriz tatua na alma do brasileiro a evocação
que a propriedade pode ser subtraída e o futuro esvaziado a qualquer momento
por alguém que vem de fora. Será a morfologia do país, enorme, infinitamente
complexo em sua diversidade e adversidade, onde cada um é deixado sozinho à
sobreviver, com a memória é cobrada de dureza, aprendendo assim a
constituir-se, por reação, em corporações/grupos/partidos/turmas (em um nós)
fechadas, com relativa desconfiança em tudo o que não faz parte do (o outro):
os times.
Mas isso não
significa que passado e futuro não contam. Muito pelo contrário: presente,
passado e futuro convergem e coincidem no mesmo momento: aquele que se está sentindo.
O agora recolhe o sentido de plenitude da
vida, de justiça, de esperança, de fé. E o que faz a diferença entre um momento,
uma vida que vale a pena ou não, é o prazer: a sensação física e mental,
pessoal e coletiva de experiência de prazer.
Todos têm direito a bola. Algo que todos conhecem. Ao contrário
do passado e da história. Algo que todos dominam. Ao contrário do futuro e do medo.
O gol não é apenas um ponto: é uma profunda declaração de identidade do “ser brasileiro”, em um abraço geral. Não é o governo, não a língua. É o futebol que reúne os brasileiros. É irmandade. Além das diferenças.
Porque, se o presente é tudo o que conta e o prazer é uma religião, o futebol aqui é Deus. E é um Deus brasileiro.
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