"DEIXA EU TE CONTAR. FIQUEI SABENDO ..."

Nasci em Milão: uma grande cidade, com alma, valores e regras típicas de uma metrópole europeia. Escolhi viver aqui no Oeste, com a disponibilidade para compreender as especificidades culturais desta região e do seu povo; para aceitar, respeitar e fazer minhas as diferenças que me podem melhorar e superar com paciência aquelas que me podem abater. Entre essas características culturais, há uma, que abrange a grande diferença entre a realidade de uma cidade grande (aberta) e uma pequena de vilarejo (fechada), no entanto, que, para mim, milanês e até mesmo de formação católica, ainda permanece um desafio difícil: uma realidade, um comportamento, uma diferença, que ainda tenho que concertar. Um habito muito estranho. Refiro-me ao uso sistemático, contínuo e estratégico da FOFOCA.

Claro que, como antropólogo, bem entendo a sua função evolutiva. Todas as comunidades dividam-se em duas categorias de pessoas: os falcões e as pombas. Os Falcões são aqueles que conquistam riqueza e poder sobre os ombros dos mais fracos ou mais leais (pombas), aproveitando-se em todos os sentidos. A lei nada mais é do que uma solução, baseada num sistema de punição, que uma mesma comunidade se auto atribui para coibir essa tendência natural do ser humano (e de todos os animais) a opressão dos fortes sobre os fracos. Mesmo porque, quando os falcões tem "aproveitado" das pombas até os ossos, geralmente começam a fazê-lo uns com os outros, levando a dissolver as duas espécies e a mesma comunidade. Ninguém quer isso. Mas a ordem e o bem comum tem um custo (impostos, educação e comportamento ético), que nem todos querem ou podem cumprir.

E ai? E ai vem a fofoca, ou seja uma troca de informações sobre uma terceira pessoa que não está presente, sobre as quais o relator não assume-se a responsabilidade enquanto chegam de fonte é anônima ("Eu ouvi "), com base nas experiências dos outros, e que nas comunidades pequenas e fechadas, onde todos se conhecem e ficam em contato com todos, interconectados e interdependentes (não é assim nas cidades grandes), torna assim a ser um sistema de alarme e julgamento (principalmente negativo) graças ao qual reconhecer e identificar o falcão. Desta forma, para as pombas, para os fracos, para a comunidade, as fofocas assumem uma função defensiva. Além disso, o medo de ser o "alvo" de um “rumor” pode empurrar a pessoa para o comportamento virtuoso ou conformista, contribuindo assim a " boa vida comum". E tudo sem nenhum custo. Visto assim, até agora, parece bom.

Mas, chega um ponto em que a defesa vira a ser ataque agressivo, destrutivo e hedonista: de fato uma agressão protegida. Por quê? Por que as pessoas, por inveja, ganância, vingança etc., podem chegar a destruir uma pessoa, que não pode se defender enquanto ausente, com mentiras, malícia e maldades, que não podem ser verificadas e que não tem fonte, provando o prazer de ser privilegiados por ter "informações preciosas" e, ao mesmo tempo, aquele de inverter a hierarquia de classe/poder (o fraco se torna forte sem expor-se). Geralmente os conteúdos são projetivos, ou seja, a pessoa que " calúnia", seja que inicia ou reporta a fofoca, joga sobre os outros o que tem por dentro.

Em todos os casos, a fofoca tem o poder diabólico para destruir uma pessoa, até mesmo matá-la, como enfatizou fortemente Papa Francisco em sua homilia do 2 de set. na capela Domus S. Marthae, citando Lucas (4:16-30 ), um dos passos mais dramáticos nos Evangelhos, onde descreve como Jesus, depois ter falado no templo e tendo sido ao início aparentemente bem recebido, passou a ser alvo de "vozes" de inveja e de encerramento por não ter atuado o milagre exigido pelas pessoas (“mas quem é? Onde estudou? o que quer de nós?) até que o povo quis leva-lo à morte jogando-o para baixo da montanha. “Isso acontece todos os dias - disse o Papa – em nossos corações, em nossas comunidades cada vez que você recebe alguém falando bem no primeiro dia e, em seguida, cada vez menos até chegar a fofoca até quase esfolá-lo vivo. Aquele que, em uma comunidade, fofoca contra um irmão acaba a matá-lo", concluiu o Papa, ressaltando que, mesmo por tédio, a fofoca é um pecado.

Além de tudo isso, enquanto psicólogo, é claro para mim como a fofoca é um dos vários mecanismos que, ao mesmo tempo, as pessoas padecem e produzem: ou seja acabam a ser por isso, ao mesmo tempo vítimas e carnífices de si mesmos. Mas bem enquanto psicólogo, trabalhando para as mudanças, tenho experiência de como é possível e fácil de sair deste esquema. Começando com si mesmo. Para ficar melhor. A fim de crescer. As vezes é suficiente reconhecê-lo. Apenas o querer. Mas será que existe essa vontade? Você o quer?




Comentários

  1. Deny, muito atual e pulgente o assunto escolhido. Numa sociedade extremamente individualista, aonde valores éticos e morais muitas vezes são descartados às custas de interesses pessoais e aonde os relacionamentos são estimulados a serem cada vez mais descartáveis a FOFOCA no meu entender nada mais é do que uma manifestação interpessoal destes valores superfulos. Acredito, sinceramente, que a fofoca manifesta antes de tudo o caráter e a maneira superficial de levar a vida de quem as faz.

    Um grande abraço, Romar Junior

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  2. Obrigado e parabéns pelo comentário Romar Junior: Sempre admiro as palavras bem calibradas.
    Um dos maiores (e piores) enganos das pessoas é confundir o "superficial" com o "leve", ou seja achar que um comportamento superficial seja também um comportamento leve ou de conseqüências leves. Mas na verdade, as conseqüências de um comportamento superficial podem ser dramáticas e duríssimas, diabólicas e mortíferas.
    Sem duvida as fofocas comportamentos superficiais, Infelizmente, quando um comportamento (qualquer comportamento - mesmo de fofoca acaba a ser um comportamento de apenas uma pessoa pode ser, sim, reconhecido como negativo, mas quando torna a ser um comportamento generalizado e de todos .. bem, nesse caso torna a ser um valor e os valores guiam outros comportamentos até tornar-se cultura (de Cristo até a Inquisição espanhola até o nazismo .. a historia é cheia de fases do ser humano onde a fofoca contribui a criar um sistema de valores destrutivo e mortal). A solução (e a esperança) passa pela educação dos nossos filhos com o exemplo. grande abraço pra ti.

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  3. Deny Alfano!
    Acredito que a construção do ser humano é baseada no aprendizado com a interferência do meio onde vive, o meio social, e reconstruída através da inteligência de com a experiência adquirida de modo singular.
    Uma das soluções para este habito estranho você colocou com sendo parte parte da educação de nossos filhos, que passa por essa construção e reconstrução do ser humano, perfeito, e os adultos?
    Acredito que pelo mesmo processo de reconstrução de idéias e comportamentos possam mudar ou pelo menos tentar, quanto aos filhos cabe aos pais , família e etc... e quanto aos adultos?
    Um belo início é começar por si mesmo e pelos grupos dos quais fazemos parte, não permitindo que este seja o foco principal de um encontro entre amigos, afinal, temos tantas coisas interessantes a compartilhar, que, sinceramente ficar falando da vida de terceiros, que geralmente não estão presentes, desprestigia a inteligência humana.
    Parabéns, como sempre, escreveste um belo artigo, que leva a reflexão, ou pelo menos deveria!!!

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    1. Querido ou querida Anônimo (acredito anonimo em razão do meio tecnológico mais do que por vontade....também porque falando sobre as fofocas ...:) ),

      com os adultos, aqui, nutro menos esperanças. porque? porque, sendo uma região historicamente e ainda muito isolada e fechada, em todos os sentidos, a transmissão da tradição, da cultura, das informações e dos acontecimentos, da educação, do histórico familiar, da moral, das lendas e dos valores do povo, etc. desenvolveu-se e se estruturou por meio de hábitos orais, ou seja por boca a boca que; ao mesmo tempo; liga as pessoas entre elas e (re) coloca os 'outros'.
      Em outras palavras a fala, o papo, é um habito de funcionamento cultural profundo ... tão profundo da ser reconhecido como natural (ou melhor, por isso, nem reconhecido); exemplos dessa herança destacam-se na politica e no comercio, alimentadas mais das logicas e dinâmicas pessoalísticas que de produto (se propõem ou vendem pessoas ao nives de ideias no primeiro caso e ao invés de produtos no segundo).
      Moral da historia, a construção da identidade, seja de pessoa que de povo, é tao profundamente enraizada no habito do uso da palavra como fala, ao ponto de ser tradição e traço cultural, que não acredito na 'fisiológica' capacidade das mesmas pessoas adultas de reconhecer uma diferencia entre quando conversam e quando fofocam (também porque se conseguissem acredito que não continuariam fazendo-as; pelo menos não todos).

      tu, querido/a anonimo, acha que se fosse descoberta a possibilidade que a erva mate tivesse algumas contro indicações para alguns, tudo o mundo desistiria e largaria de tomar chiamarrão?

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  4. Boas colocações Deny, uma maneira de se defender é projetar meu eu no outro, para que eu não seja descoberto. E desconstruir hábitos que a muito tempo estão enraizados na nossa cultura, é um processo delicado, mas cabe a cada um observar isso e se lhe cabe a mudança né.

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    1. Hercule Poirot, o investigador protagonistas dos livros de Agatha Christhie, afirmava continuamente que pra ele não era importante se os suspeitos mentiam ou não as suas preguntas porque mesmo mentindo, na escolha daquela mentira entre infinitas mentiras possíveis, eles estavam declarando e mostrando si mesmos; dizendo algo deles sobre eles mesmos. Algo que assim lido, pudesse igualmente levar a verdade, para quem sabe ler.

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